© Fernando Pereira/SECOM
O Ministério do Trabalho notificou o Hospital das Clínicas em São Paulo, o maior da América Latina, após haitianos com salários irregulares e sem acesso a itens básicos, como água ou banheiros. Ao todo, 18 infrações trabalhistas foram lavradas contra a instituição.
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Funcionários da Boykos Impercolor, cerca de 34 haitianos trabalhavam em uma reforma no hospital e, uma parte deles, estava sem receber os pagamentos integralmente. Três haitianos denunciaram a situação a policiais militares que estavam próximos ao hospital, que a repassaram ao ministério.
Durante fiscalização do Ministério do Trabalho, em novembro passado, os fiscais identificaram que os haitianos realizavam serviços em condições nas quais não havia o mínimo de saúde e segurança. A reportagem apurou que o hospital mantém, desde abril deste ano, um contrato no valor de R$ 846 mil com a empresa.
De acordo com os fiscais, a Boykos fazia uso sistemático da mão de obra imigrante para manter alta rotativade no ambiente de trabalho e continuar a reforma, mesmo sem pagar os salários.
O Hospital das Clínicas diz, em nota, que "a empresa foi contratada por meio de licitação, respeitando todas as exigências legais vigentes e que forneceu todos os documentos solicitados".
FISCALIZAÇÃO
Os fiscais dizem que a Boykos não pagou ao menos R$ 225 mil em salários e rescisões a 56 trabalhadores que realizaram serviços nas obras do teto do centro cirúrgico do Instituto Central, uma das alas mais importantes do HC.
Além disso, pelo menos R$ 18 mil teriam sido deixados de ser arrecadados pelo FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço). Esses valores podem ser maiores, já que a empresa não apresentou todos os documentos requisitados pelo Ministério do Trabalho.
A empresa estaria, segundo o Ministério do Trabalho, se aproveitando também das dificuldades dos haitianos com a língua e a cultura do Brasil, bem como do desconhecimento deles dos direitos trabalhistas. Os auditores afirmam que a situação na reforma estava em total desacordo com o que prevê a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
"Os trabalhadores vinham muito penalizados. Eles contavam com o dinheiro para mandar para os familiares que estavam passando fome no Haiti", afirmou o coordenador da fiscalização, Luis Alexandre de Faria.
Segundo os fiscais, os trabalhadores não dispunham de água potável, de instalações sanitárias -como banheiro, vestiário e refeitório- ou tampouco de equipamentos de proteção. O local da obra ainda corria risco de explosão, já que os empregados manuseavam maçaricos próximos da passagem de tubos de gás.
Faria disse ainda que as irregularidades são graves, pois envolviam um gestor público "que tem a obrigação e os recursos para verificar o cumprimento de seus contratos". "É um local [hospital] que é todo voltado para a segurança e saúde das pessoas, e ali os ilícitos estavam em profusão", acrescentou.
Entre as infrações trabalhistas há uma por deixar de oferecer assistência em medicina do trabalho e oito contra a Boykos -a maioria referente aos pagamentos. Os fiscais ainda requisitaram que as obras do hospital e a situação dos salários fossem regularizados. A empresa e o HC têm até dez dias, após a notificação das autuações, para apresentar defesa ao Ministério do Trabalho.
OUTRO LADO
O Hospital das Clínicas diz, em nota, que havia requisitado a paralisação das obras em maio de 2016, depois de receber relatos que os trabalhadores não tinham equipamentos de proteção. "Depois disso a obra foi retomada."
A instituição disse ainda que as obras são acompanhadas por uma equipe de engenharia e de segurança do trabalho, "que tem por finalidade avaliar as atividades". "Apenas após a avaliação desta equipe é fornecida a permissão de trabalho."
O hospital afirma que acompanhou a visita dos auditores e segue à disposição para esclarecimentos. "Por fim, cabe ressaltar que, em relação às infrações trabalhistas e aplicação de multas citadas pela reportagem, o Hospital das Clínicas não foi notificado sobre nenhuma delas."
Procurada, a Boykos não se manifestou sobre o caso até a publicação desta reportagem.
CONTRATO
A Folha ainda apurou que dois funcionários do Hospital das Clínicas foram designados para observarem o cumprimento do contrato. Os fiscais afirmam, porém, que o hospital não enviou ninguém à representação do Ministério em São Paulo, na data de uma audiência entre as partes. "Se o hospital quiser ser proativo, nós vamos recebê-los porque queremos resolver o problema e a situação dos trabalhadores", disse Faria.
Os auditores pretendem enviar, ainda esta semana, cópias do relatório da fiscalização ao Ministério Público do Estado e à Corregedoria Geral de São Paulo.
A ideia é que as duas entidades investiguem outras eventuais irregularidades no contrato firmado em outubro de 2015 entre o hospital, ligado ao governo do Estado de São Paulo, e a empresa, que venceu licitação aberta em 2013.
O hospital diz que "a empresa foi contratada por meio de licitação, respeitando todas as exigências legais vigentes e que forneceu todos os documentos solicitados". Uma terceira cópia do relatório da fiscalização também será enviada ao Ministério Público do Trabalho, que pode acionar os envolvidos na Justiça trabalhista.