Colônias do interior do Brasil falam idioma que ninguém mais conhece

Parece italiano, mas é língua que não existe em outro lugar do mundo

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Brasil Paraná 31/12/16 POR Folhapress

Quando elas se encontram, é difícil acompanhar o que falam as mulheres de Colombo, cidade no interior do Paraná a apenas 15 km de Curitiba.Em meio às frases em português, soltam um "Ma varda, che bruti mistiri" ('mas olhe, que coisa feia'), ou "sboraminti, tusi" (algo como 'meninada bagunceira').

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Parece italiano, mas não é. Entre gargalhadas e memórias, elas exercitam o vêneto, dialeto da terra dos pais e avós, e que quase não existe mais nem na Itália.

"É uma viagem no tempo", diz a pesquisadora italiana Giorgia Miazzo, 39, doutora em linguística pela Universidade de Veneza e que visitou a região neste ano. "É lá que estão os últimos italianos."

Colônias como a de Colombo preservam idiomas e tradições quase perdidos nos países de origem - e atraem pesquisadores que querem saber como eles se mantiveram quase 200 anos após o início da imigração do século 19.O isolamento e a religiosidade dos imigrantes ajudam a explicar o porquê."É uma outra dinâmica: são pequenos municípios, a maioria de cunho rural, onde a mobilidade é muito pequena", diz a professora da Universidade Federal da Fronteira Sul Cristiane Horst, que estuda o alemão falado no Brasil -conhecido como hunsriqueano.

Entre os descendentes alemães do oeste catarinense, por exemplo, zepelin é sinônimo de avião, e caminhão, que nem existia à época da imigração, ganhou uma terminação alemã: caminhong.

"É praticamente aquela língua que chegou ao Brasil em 1824", diz Horst. Na colônia italiana de Colombo, ocorre o mesmo. Pia ainda é chamada pelos mais velhos de "seciaro" (fala-se "setiaro"), um antigo móvel em que se penduravam baldes para enxaguar a louça.

Há descendentes que ainda preservam expressões do século 17. É o caso da colônia russa de Santa Cruz, no interior do Paraná. O local foi tema de pesquisa da professora Olga Rovnova, do Instituto de Língua Russa Vinográdov, que estuda o dialeto dos chamados "fiéis antigos", ou starovéri. São russos que deixaram o país no século 17, por perseguição religiosa, migraram para a China e, depois, para o Brasil. O isolamento da colônia, que vive da agricultura, fez com que a língua se preservasse quase intacta.

Tradição

Junto ao idioma, tradições também se preservaram. Entre imigrantes da Ucrânia, país que sofreu com o domínio soviético por quase todo o século 20, costumes como a pêssanka, ovos decorados com celebrações à primavera e à Páscoa, se mantiveram por muito tempo mais fortes no Brasil do que lá.

"Tudo foi proibido durante o regime soviético; quem mantinha era em segredo", diz a descendente Mirna Voloschen, 51, que vive em Curitiba e é diretora da Sociedade Ucraniana do Brasil.

Na década de 1990, brasileiros que estiveram na Ucrânia após a independência do país ajudaram a revitalizar o costume do pêssanka por lá.

Manter os costumes e o idioma é desafiador para muitos descendentes no Brasil. No interior, crianças ainda são alfabetizadas em alemão ou ucraniano e só aprendem o português na escola.

Já em Colombo, só os mais velhos falam vêneto. De tradição oral, ele é de difícil transmissão -na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a proibição de idiomas estrangeiros no Brasil acabou intimidando os falantes.

"Uma vez chamei minha professora de maestra. Para quê... Quebrou a régua na minha cabeça", lembra a comerciante Maristela Cavassin, 54.

"Infelizmente, a língua está se perdendo. Da minha idade, só conheço uns seis que falam", afirma o pesquisador Fábio Machioski, 33, coordenador do museu e membro da associação italiana da cidade.

O talian, variação "abrasileirada" do vêneto e falada em colônias do Sul, já é considerado um idioma cooficial em algumas cidades, e foi reconhecido como referência cultural brasileira em 2014.

O mesmo esforço está sendo feito com o hunsriqueano, a variante do alemão: pesquisadores estão trabalhando num inventário de palavras para vê-lo reconhecido como patrimônio cultural imaterial.

Para o antropólogo Paulo Guérios, da Universidade Federal do Paraná, que estudou a imigração ucraniana, os costumes e idiomas só permanecem se ainda fazem sentido e é natural que se mesclem à cultura brasileira.

"Elementos culturais mudam, e o purismo está ligado à retórica da perda: a impressão de que no passado havia algo puro, que foi perdido. O importante é que os elementos vitais fiquem se ainda têm significado", explica. Com informações da Folhapress.

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