© Alex Rajan / Notícias ao Minuto
Intenso, inquieto, enérgico e versado em arte. Assim é Alceu Valença e assim promete ser o 2017 dele, que já começa com dois grandes shows em Portugal em meio ao processo criativo de sua segunda investida no cinema: um documentário ficcional.
PUB
O cantor, compositor, poeta e cineasta pernambucano se apresenta em Lisboa no próximo sábado (21), mas desembarcou na capital portuguesa uma semana antes do espetáculo, a fim de organizar melhor suas ideias no sossego do inverno português. E foi nesse espaço de tempo que o Notícias ao Minuto Brasil, que está por toda parte, acabou cruzando com artista, que abriu as portas da casa que mantém em solo lusitano para uma horinha de prosa.
Na plenitude dos 70 anos de idade e de seus 47 como músico, com grande capacidade de contar três histórias ao mesmo tempo numa conversa, Alceu não bebe, não fuma e não abre mão de dar pelo menos 10 mil passos por dia, registrando sua performance atlética no smartphone, o qual ele usa para anotar toda ideia que surge acerca do seu novo roteiro cinematográfico e também para registrar imagens das paisagens e cantos que o encantam.
“Faço tudo no meu tempo e com calma, só que o meu tempo é muito rápido. Tenho surtos criativos, como diz minha mulher”, conta Alceu, referindo-se a esposa Yanê Valença, que também cuida da carreira do artista.
Após a apresentação em Lisboa, Alceu segue para a cidade do Porto, no Norte de Portugal, onde faz show no dia 24 de janeiro. O espetáculo chama-se Vivo! Revivo!, que revisita a trajetória do artista nos seus primeiros anos de carreira, recriando no palco o repertório dos discos “Molhado de Suor” (1974), “Espelho Cristalino” (1977) e do icónico LP “Vivo!” (1976), álbum que melhor simboliza a produção criativa de Valença naquele período de sonhos, metáforas e censura.
“Depois do show eu canto músicas que são sucesso, como Anunciação, Tropicana, La belle de jour e Coração Bobo”, promete o compositor nascido em São Bento do Una, no agreste pernambucano.
A temporada em Portugal vai até o dia 26 deste mês, quando Alceu retorna ao Brasil para encarar uma agenda que reúne apresentações de “O Grande Encontro” - projeto que, além dele, conta com Elba Ramalho e Geraldo Azevedo -, a sua tão esperada exibição no Carnaval de Olinda, a preparação para as festividades do São João, shows solos, além de finalizar o roteiro e iniciar a produção do próximo filme, que ele diz já ter tudo matutado.
“Eu escrevo muito rápido. Meu pensamento é muito depressa, é mais rápido que minha mão”, conta o artista, que durante a entrevista fez imitações de ícones como Luiz Gonzaga, Cauby Peixoto e até o ex-presidente Lula.
ALCEU NA INTERNET
Em tempos de smartphone, internet e redes sociais, Alceu Valença também já viralizou na web. No fim do ano passado, o cantor estava caminhando pelo Leblon, bairro onde mora na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando se deparou com um grupo de músicos tocando “Tropicana” na rua. Ele parou, deu uma canja e o público vibrou com o show gratuito e inesperado. O momento inusitado foi parar no Facebook (assista abaixo).
“Eu tenho uma relação muito boa com a internet”, diz Alceu, que se impressionou com o alcance do vídeo, publicado por uma fã que testemunhou o momento. Foram mais de 3 milhões de visualizações, números que o fizeram “esquecer” de vez a televisão e o rádio como canais de divulgação artística.
“Não estou nem aí para veículos de comunicação (de massa)”, desabafa.
O MOMENTO DA MÚSICA BRASILEIRA
Alceu Valença iniciou sua carreira e alcançou o sucesso numa época em que não existia sertanejo universitário - gênero que traz letras que falam de dinheiro, álcool, luxo e sexo, e que possui domínio absoluto nas rádios Brasil afora (todas as 10 músicas mais tocadas nas rádios em 2016 são sertanejo universitário, segundo dados da ComScore).
O autor de “Tropicana” atravessou e venceu as mudanças da indústria fonográfica, mantendo sua identidade fiel à arte que defende e resistindo aos vilões que, segundo ele, querem ditar regras sobre o que o público vai ouvir.
“Eu vejo que (hoje) há o domínio dos meios de comunicação de alguns segmentos. (…) Tem muita gente com muita criatividade, mas com dificuldades de fidelizar uma música e colocar no mercado. É muito complicado. (...) Quando você tem um trabalho autoral, fica difícil. Quando você não quer estar na mão do empresário, é difícil. Aí você tem que se curvar. Bem, eu de minha parte já não me curvava a indústria cultural, agora com esse tipo de negócio é que eu não me curvo mesmo. Eu faço arte porque eu quero fazer arte. Vim contra tudo para fazer arte”, conta.
“Ficou uma coisa monocórdia. O forró eletrônico e o sertanejo tomaram conta de tudo”, completa o artista, ressaltando que a “indústria cultural” foi tomada pela “indústria do entretenimento, a qual o empresário não gosta de música, só gosta de dinheiro”.
CINEMA
Em 2016, Alceu Valença escreveu, dirigiu, montou, fez a trilha sonora e ainda atuou no filme “A Luneta do Tempo”, que marcou sua estreia no cinema como diretor. O longa, protagonizado pelo competente Irandhir Santos, mostra a ótica do compositor sobre o casal Lampião e Maria Bonita e foi apontado pela crítica do Festival de Gramado como “encantador”.
O filme de Alceu, que saiu recentemente das salas brasileiras mas deve chegar em breve a serviços de streaming como o Netflix, terá uma sessão especial, em maio deste ano, no charmoso Cinema São Jorge, em Lisboa, quando o músico voltará a Portugal.
“Quando dá tempo eu venho para cá (Lisboa). Aqui eu também me sinto bem”, diz ele, que é grande admirador do poeta português Fernando Pessoa, uma de suas inspirações artísticas.
Enquanto falava com o Notícias ao Minuto Brasil, Alceu era “observado” por dois violões repousados na sala de estar de sua casa.