Dorival Júnior conta a realidade do técnico de futebol no Brasil

O técnico do Santos e o auxiliar técnico Lucas Silvestre conversaram com exclusividade com Esporte ao Minuto; confira a seguir

© Ivan Storti - Santos Futebol Clube

Esporte Entrevista 14/04/17 POR Fernando Vieri

O ex-jogador e hoje técnico de futebol Dorival Júnior, de 54 anos, caminha na contramão do infeliz destino do treinador de futebol no Brasil. Ao contrário da maioria de seus colegas de profissão, o comandante do Santos Futebol Clube se mantém no cargo há 21 meses, num país onde os clubes trocam de técnico como os jogadores trocam de camisa com os rivais a cada jogo. Mas apesar de considerar positivo o seu exemplo, o atual treinador do time que revelou Pelé e Neymar admite uma grande preocupação com a cultura de demissões dos técnicos de futebol nos gramados tupiniquins.

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“Se por um lado é uma marca muito positiva, por um outro eu lamento muito, porque isso deveria acontecer com a maioria dos clubes, e não exclusivamente com um ou dois clubes no futebol brasileiro. (...) Treinador de futebol é uma das profissões mais cobradas que existe no país. Até porque todo mundo acha que sabe e que conhece futebol. E não é assim. O futebol é intrigante, é desafiador e, ao mesmo tempo, merece um estudo muito maior em relação aquilo que a gente vê acontecendo hoje no Brasil”, disse Dorival, em entrevista exclusiva ao Esporte ao Minuto.

A conversa também passeou por outros assuntos acerca da vida do técnico de futebol da elite nacional. No caso de Dorival, por exemplo, há uma pessoa fundamental para o sucesso dele à frente da equipe santista. Trata-se do auxiliar técnico Lucas Silvestre, que é filho do treinador, tem 29 anos e trabalha com o pai há sete. Lucas também falou ao Esporte ao Minuto.

“Eu aprendo diariamente com ele, mas o que mais me chama a atenção é a sinceridade com que ele se coloca na frente do grupo. E quando você é sincero com as pessoas e as pessoas sentem isso, pode ter certeza que o comprometimento delas com você e com o trabalho passam a ser diferentes", conta Lucas, que planeja se tornar treinador num futuro próximo.

No papo, a dupla falou sobre as dificuldades enfrentadas pelos treinadores de futebol no dia a dia de um clube, sobre o trabalho do técnico como realmente é, sobre a relação de pai e filho no Santos, o amor pela profissão, Neymar e muito mais. Confira abaixo a entrevista completa de Dorival Júnior e Lucas Silvestre ao Esporte ao Minuto.

Esporte ao Minuto: Muita gente pensa que o trabalho de um técnico de futebol é só treinar e escalar a equipe e depois comandar o time na beira do campo. Mas não é só isso, né?

Dorival Júnior: A realidade é que, no Brasil, o treinador de futebol tem um papel muito mais abrangente do que simplesmente o treinamento do dia a dia. O treinador se preocupa com tudo dentro de um clube. A preocupação começa com a montagem dos trabalhos e treinamentos do dia a dia: como os jogadores irão chegar, as observações no departamento médico, o trabalho na academia do clube, os detalhes de algum atleta que esteja em recuperação, ou de repente de quem tenha entrado no departamento médico de um dia para o outro ou procurado o departamento médico por algum incômodo... Na parte material do clube, o treinador está sempre muito atento a tudo o que está acontecendo com as coisas dentro de uma necessidade, como adquirir um material novo. Porque no futebol brasileiro nós temos essa dificuldade. Não temos pessoas que façam funções. (...) E isso sobra muito no dia a dia para o treinador. (...) E, a partir do momento que a competição vai andando e as coisas vão acontecendo, é natural que os problemas se avolumam e, de repente, você se vê numa definição desses problemas e de ter que resolver, quando na realidade você deveria ter uma equipe a sua volta que tentasse resoluções rápidas. Porque na minha concepção, um problema no futebol não pode ter mais de 24 horas, se não ele acaba gerando um problema ainda maior na sequência, que vai se acumulando. E com problema em cima de problema você acaba perdendo o foco e a concentração no seu trabalho.

Lucas Silvestre: Muita gente pensa que na verdade o nosso trabalho são só aquelas horas que você tem de treinamento. E o trabalho não é só isso. Quando as pessoas vêem a gente ali no campo realizando o trabalho, tem muitas horas ali de estudo, de busca do melhor exercício, de você conversar muito com a comissão, com os jogadores, de você ficar na sua casa lendo, trabalhando, procurando coisas para que, naquela uma hora e meia de trabalho, você aproveite da melhor forma possível. (...) O auxiliar técnico ele tem uma participação mais ativa na montagem do trabalho, na montagem dos vídeos para passar aos jogadores… Eu acho que a vida do auxiliar é bem complicada, porque você tenta de todas as maneiras amenizar os problemas para o treinador.

Esporte ao Minuto: Qual é a parte mais complicada na vida do treinador?

Dorival Júnior: Dentro do nosso país acredito que seja viver dentro dessa instabilidade. Instabilidade gerada pelo mal posicionamento dos gestores e pela cultura disseminada, que eu prefiro falar que é a falta de cultura, que faz com que todos os resultados sejam jogados nas costas de uma pessoa. Então não se analisa o trabalho que está sendo desenvolvido e aquilo que já foi alcançado. O poder de análise passa a ser único e exclusivo do resultado da quarta-feira e do resultado do domingo. E a partir daí, a própria mídia, que também não é preparada para isso, passa atuar de uma maneira muito direta: pedindo, exigindo, mostrando os detalhes ruins, muito mais do que os positivos, e isso acaba criando um sistema onde o treinador fica vulnerável e se defendendo por todos os lados. Sem que tenha proteção do próprio clube em que ele trabalha.

Lucas Silvestre: O gerenciamento de pessoas. Você tem que lidar com problemas diariamente. Você comanda mais de 30 jogadores, além de roupeiro, massagista, fisiologista, preparador físico, comissão técnica, parte médica, diretoria… Então você tem que amenizar os problemas no dia a dia. E outra parte desgastante é você ser o elo de jogadores e diretoria. Mas o gerenciamento de pessoas é a parte mais complicada. Administrar o ego e a vaidade das pessoas é um grande desafio para o treinador e o auxiliar.

Esporte ao Minuto: Até que ponto pode atrapalhar e como entra o treinador no assunto "ego do atleta" e da "vaidade" dentro do elenco?

Dorival Júnior: Em termos de gerenciamento talvez essa seja a parte mais difícil e complicada. (...) O gerenciamento de egos, de pessoas, o gerenciamento das coisas que acontecem, tanto positiva quanto negativamente ao longo de uma campanha ou de uma temporada, ele exige uma sensibilidade muito grande do profissional. Você tem que estar muito atento a todos os detalhes, você tem que estar ligado a todos os fatos que estejam acontecendo, aos detalhes de campo, do treinamento, aquilo o que foi prometido pelo grupo diretivo a determinados atletas...

Lucas Silvestre: Como falei anteriormente, você tem que saber lidar com cada uma das pessoas que trabalham com você. Tem determinados jogadores que você pode falar com eles de uma maneira mais dura, que eles reagem de uma forma. Mas com alguns outros não, se não você acaba perdendo ele pelo resto do ano. Então você saber e detectar a maneira com que você tem que lidar com cada atleta é muito difícil. Isso requer uma habilidade grande.

Esporte ao Minuto: Dorival, qual é a sua maior motivação na profissão?

Dorival Júnior: Às vezes as pessoas falam que o maior alcance de um treinador é a conquista de um título. Eu não penso dessa forma. Eu vejo muito mais pelo lado de você conseguir atingir alguns objetivos dentro do seu trabalho, principalmente você dando a oportunidade de um profissional de estar ali aparecendo, dar uma chance a um garoto da base. Eu acho que é isso o que nos motiva, que nos mantém vivos, o que nos leva a novos desafios. É normal que você a partir do momento que tem um grupo equilibrado, você encontre conquistas lá na frente. E essas conquistas preenchem, de uma maneira ou de outra. Porém não são essenciais. É natural que dentro do nosso país só se reconheça o trabalho vencedor. Mas para nós, profissionais da área, sabemos o quanto é importante você conduzir bem um trabalho, tendo o alcance de bons resultados, surgimento de novos valores e a motivação do seu grupo de trabalho.

Esporte ao Minuto:  Lucas, é seu objetivo assumir o comando de uma equipe como treinador algum dia?

Lucas Silvestre: Tenho sim o objetivo de ser treinador. Eu não tenho pressa e jamais vou passar por cima de alguém para realizar esse meu sonho. Eu sei que hoje estou num momento diferenciado da minha carreira, tenho aprendido muito, tenho trabalhado muito e estou acumulando uma bagagem muito grande. Quero seguir mais um tempo trabalhando com o meu pai, aprendo muito a cada dia com ele. E depois, daqui a uns sete anos talvez, que deve ser o tempo que ele pare também, eu imagino que eu continue a minha carreira sozinho. Mas com calma, tranquilidade e sem pressa.

Esporte ao Minuto: Como é a relação de vocês dois no trabalho? Vocês se dão bem, há momentos em que não concordam com um posicionamento um do outro... Como é?

Dorival: A relação é bem saudável. É natural que em alguns momentos tenham umas farpas, umas trocas, mas na grande maioria das vezes, existe um respeito. Ele tem autonomia para fazer o trabalho e confio no trabalho dele.

Lucas: Discordar de opinião é a coisa que eu mais faço. Por mais que eu tenha a mesma opinião que ele, eu preciso colocar o outro lado. Se eu concordar com ele o tempo todo, alguma coisa vai dar errado lá na frente. Então mesmo que ele esteja certo e que eu esteja com o mesmo pensamento do dele, eu preciso colocar o outro lado para que a gente possa pensar e refletir se estamos tomando a decisão mais correta. 

Esporte ao Minuto: Num país onde o emprego do treinador está sempre por um fio, como vocês enxergam o fato de serem os treinadores da Série A que estão há mais tempo comandando um time? (Dorival foi contratado pelo Santos em julho de 2015)

Dorival: Se por um lado é uma marca muito positiva, por um outro eu lamento muito, porque isso deveria acontecer com a maioria dos clubes, e não exclusivamente com um ou dois clubes no futebol brasileiro. O que eu vejo é que nós estamos muito descompromissados com esse espírito. O brasileiro de um modo geral. A mídia passou a desenvolver na figura do treinador uma válvula de escape. A mídia nunca foi uma mídia de construção, de análise, ela sempre foi uma mídia de combate. Então tudo o que acontece numa partida de futebol por uma alteração ou outra, dependendo do resultado ser positivo ou negativo, ele é jogado nas costas do treinador. O treinador brasileiro por si só, ele não quer que isso aconteça. Ele não quer os louros para si de uma vitória, ele não quer o reconhecimento. O treinador quer apenas a tranquilidade e a paz para poder trabalhar, o que na maioria das vezes não acontece.

É uma satisfação você poder estar há quase dois anos à frente de um clube como Santos Futebol Clube, pegando a equipe na zona de rebaixamento do campeonato brasileiro e a partir daí conseguindo jogar todas as finais das competições que nós disputamos. São marcas importantes, mas acho que o mais importante é o trabalho que está sendo desenvolvido. E espero que possa ter uma continuidade. (...) Mas espero que isso esteja mudando, que o Brasil comece a ganhar um novo conceito e um respeito um pouco maior em cima do treinador de futebol. Nós estamos trabalhando há alguns anos com a Federação Brasileira de Treinadores de Futebol, tentando o reconhecimento e a regulamentação da nossa profissão, até porque nós não temos ainda alguns tópicos que nos ajudariam e que nos dariam uma condição um pouco melhor, para que o treinador a partir do momento em que fosse contratado, tivesse um tempo mínimo para o desenvolvimento de um trabalho.

Esporte ao Minuto: Dorival, você treinou o Neymar na sua primeira passagem pelo Santos, em 2010, quando ele encantou o Brasil com seu futebol. Hoje, sete anos depois, você acha que ele atingiu um nível de melhor jogador do mundo?

Dorival Júnior: Nós sempre acreditamos muito que o Neymar, a qualquer momento, se tornaria, como vem acontecendo, um dos principais jogadores do futebol mundial. Se vai ser esse ano, daqui a mais um ou mais dois, eu acho que não importa. O que importa é que é um garoto, jovem, que está amadurecendo rapidamente, que está chamando e ocupando um espaço pela responsabilidade que percebeu que tem e que passou a administrar de uma maneira muito positiva perante à mídia, à torcida brasileira, assumindo uma posição de destaque na seleção. Eu acho que isso daí não é qualquer profissional que consegue. Só os grandes profissionais alcançam um momento como esse. Neymar vem se preparando há muito para essa condição (melhor do mundo), por isso que ele não precisa ter pressa. Vai acontecer sim, de uma maneira bem natural e quando ele menos esperar. Eu acho que ficamos aqui na torcida  sempre, porque é um garoto que representa muito bem o futebol brasileiro lá fora, mostra que o brasileiro tem muitas qualidades, tem, acima de tudo, uma vibração muito grande quando põe a camisa de um clube jogando futebol.

Dorival Júnior é treinador de futebol desde 2002 e já comandou times como Flamengo, Vasco, Fluminense, Palmeiras, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Internacional.

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