© Paulo Whitaker/Reuters
Dias antes de assumir a Prefeitura de São Paulo, João Doria (PSDB) anunciou aquilo que seria o Marginal Segura, programa ancorado no aumento das velocidades máximas permitidas nas vias Tietê e Pinheiros e em uma série de ações para ampliar a segurança de pedestres, motociclistas, motoristas e passageiros.
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O programa entrou em vigor no fim de janeiro. Desde então, cresceram os atropelamentos, acidentes com motos, carros e caminhões, além do total de vítimas. Enquanto isso, boa parte das prometidas ações de segurança no trânsito não saiu do papel.
Nos dois primeiros meses depois do aumento das velocidades, segundo dados da Polícia Militar, houve aumento de 51% nos acidentes com vítimas nas marginais em relação a fevereiro e março do ano passado, quando os limites ainda eram de 50 km/h na pista local, 60 km/h na central e 70 km/h na expressa.
Esses limites estavam em vigor desde julho de 2015, sob Fernando Haddad (PT), mas foram alterados no dia 25 de janeiro, quando Doria cumpriu promessa de campanha e subiu as máximas para 60 km/h (local), 70 km/h (central) e 90 km/h (expressa).
Sob esses novos limites, as marginais bateram um recorde em março: 143 acidentes com vítimas, maior número mensal desde janeiro de 2015, quando começou a série histórica da estatística da PM.
Não há, por ora, dado oficial tanto do governo do Estado quanto da prefeitura que mostre a velocidade dos veículos envolvidos em cada um desses acidentes. No primeiro trimestre, 57% dos acidentes com vítimas nas marginais foram colisões traseiras.
AMBULANTES
Nas duas últimas semanas, a reportagem circulou em diferentes horários ao longo dos 47 km das marginais e constatou que importantes medidas anunciadas por Doria como contrapartidas para elevar as velocidades não foi realizada.
Já a gestão tucana afirma ter cumprido as promessas e programou para este sábado (6) um mutirão com ações de zeladoria nessas vias. Continuam na Tietê e na Pinheiros os ambulantes que circulam entre os carros nos horários de pico e os moradores de rua que se instalam nos canteiros, assim como favelas que vão quase até a pista.
A promessa de Doria é retirá-los das marginais, por agravarem os riscos de acidentes. "Os 'noias' ficam muito loucos de madrugada e se atiram em cima dos carros", diz Paulo Santos, 42, camelô que vende salgadinhos na pista de uma das alças que dá acesso à ponte Aricanduva, na zona leste. Segundo ele, um viciado foi atropelado recentemente por um caminhão naquela altura da marginal Tietê.
Do outro lado da cidade, na pista da Pinheiros, ambulantes circulam com cabos de celular no ombro no meio da via. Debaixo de um guarda-sol armado no asfalto, um deles aguarda sentado a clientela, ao lado de uma caixa de isopor com água e refrigerante.
A reportagem encontrou concentrações de moradores de rua em ao menos 11 pontos das marginais, além de favelas inteiras crescendo nas calçadas da via. Alguns barracos ficam rente à pista, como na região de Pinheiros.
Famílias que vivem lá dizem ter sido abordadas por agentes da prefeitura no início do ano e que esses ofereceram ajuda de custo caso se retirassem de lá. O benefício, porém, não foi pago, e elas permanecem no mesmo local.
Morador há 17 anos de um barraco em uma calçada da marginal, o marceneiro Cicero Martins, 36, vende casinhas de cachorro feitas a base de pallets –produzidas ali mesmo. Ele conta que a prefeitura prometeu espaço em um galpão para trabalhar.
"Disseram que não me queriam trabalhando na beira da marginal, mas acho que esqueceram, porque nunca mais voltaram", afirma o marceneiro, que se animou com a oferta do espaço, mas não pensa em se mudar. "Aqui é uma maravilha para morar, me sinto seguro."
Para os pedestres, a situação também pouco mudou. A prefeitura fez apresentação que mostrava gradis para evitar que as pessoas atravessem as transversais próximas às esquinas com as marginais, sinalização avisando a presença de pedestres e lombofaixas, mas a maioria dos cruzamentos permanece como antes.
Em alguns acessos às marginais, os pedestres não encontram nem mesmo uma faixa para a travessia. A gestão Doria também prometeu a instalação de pontos de parada para ciclistas, que ainda não foram feitos.
Para Horário Figueira, consultor em mobilidade e mestre em engenharia pela USP, a gestão Doria deveria ter feito todas as melhorias prometidas, analisar os resultados por meses e só depois avaliar se mexeria na velocidade. "A gente está mutilando, machucando mais pessoas, em nome de ganhar quase nada."
O presidente da comissão de trânsito da OAB, Maurício Januzzi, diz que a elevação ou a redução dos limites deveria ocorrer com base em dados de acidentes por um período mínimo de seis meses. "A decisão deveria ter sido tomada com respaldo de números."
As primeiras mortes nas marginais depois do aumento dos limites de velocidade levaram João Doria (PSDB) e seus auxiliares a focar as atenções e justificativas nos motoqueiros - que representam os cinco mortos nessas vias em fevereiro e março.Resultado disso foram declarações públicas nesse sentido e anúncio de medidas para conter esses acidentes.
Por exemplo, a proibição de motos na pista central da Tietê durante a madrugada a partir do próximo sábado (13) -elas já são proibidas na expressa- a previsão de aplicar multas em motociclistas a partir de imagens de câmeras.Dados da Polícia Militar, porém, mostram avanço de acidentes com vítimas em todas as demais categorias.
Em fevereiro e março, em relação ao mesmos meses do ano passado, houve crescimento nas colisões com vítimas envolvendo motos (60%), carros (10%) e caminhões (108%), além de mais atropelamentos (300%). No caso dos caminhões, cujos acidentes com vítimas passaram de 12 para 25 nesse intervalo, técnicos explicam que, por causa do tamanho, eles acumulam mais pontos cegos e, muitas vezes, atingem motos sem perceberem.
Já os atropelamentos, de dois para oito casos, fizeram ligar um alerta da PM. "Acendeu a luz amarela. Vamos ter que acompanhar", diz Marcos Rogério da Cunha, capitão e chefe do policiamento de trânsito nas marginais. Os dados da PM obtidos pela Folha são os únicos até agora que permitem uma comparação do número de acidentes antes e depois do aumento da velocidade – nessa base, no entanto, não está analisado se a causa está ou não ligada às novas máximas nessas pistas.
As estatísticas oficiais da prefeitura são divulgadas anualmente, por meio de balanços da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).Para Sérgio Ejzenberg, engenheiro e mestre em transportes pela USP, as novas velocidades influenciaram nesse aumento das estatísticas.
"Velocidade maior é compatível no limite da segurança. Não pode aumentar a mobilidade ao custo de vidas. É uma equação inaceitável. "Pelo levantamento da PM, 57% das ocorrências nos três primeiros meses deste ano nas marginais foram em colisões traseiras, condição que pode indicar a influência da velocidade nos acidentes.
Na prática, quanto maior a velocidade, maior a distância necessária para um veículo parar."Na marginal, a quantidade de faixas é variável, gerando reduções de velocidades, em uma via com limite rodoviário [de 90 km/h]", afirma Ejzenberg, para quem as paradas repentinas podem causar essas batidas.
FATOR RISCO
Uma campanha lançada neste mês pelo Detran, órgão de trânsito ligado ao governo Geraldo Alckmin (PSDB), destaca a influência da velocidade "entre os principais fatores de risco no trânsito".
"A OMS [Organização Mundial da Saúde] estima que um aumento de 5% na velocidade média amplia em cerca de 10% os acidentes envolvendo lesões e de 20% a 30% as colisões fatais", afirma a divulgação da campanha do órgão.
O Detran diz que os riscos de um pedestre adulto morrer se atingido por um carro a menos de 50 km/h é de 20%. "Porém a chance de letalidade sobe para 60% se a pessoa for atropelada a 80 km/h.
"O capitão Cunha, da PM, considera ainda ser cedo para atribuir a alta dos acidentes nas marginais Pinheiros e Tietê à mudança dos limites."A velocidade é um fator que influencia as ocorrências, mas a imprudência dos motoristas ainda é predominante.
"Ele cita que 27% das autuações aplicadas a caminhoneiros nas duas marginais foram por mau estado de conservação do veículo, como trafegar com pneu liso.O presidente da comissão de trânsito da OAB-SP, Maurício Januzzi, cita a ineficiência da fiscalização como fator para acidentes com motos.
Segundo a prefeitura, há 14 radares-pistola usados nas marginais por agentes de trânsito para multar motos. "Essa quantidade é pouca e deixa brechas", diz Januzzi. O consultor de trânsito Flamínio Fichmann diz que os radares-pistola não são capazes de flagrar excesso de velocidade à noite porque usam um sistema por imagem."Seria necessário habilitar os radares fixos para multar as motos nos corredores e realizar mais blitze."
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