© Reprodução
Em palestra sobre a reforma trabalhista e a terceirização, o sociólogo José Pastore afirmou nesta segunda-feira, 15, que não há segurança de que a proposta aprovada na Câmara e que está tramitando no Senado, se sancionada, vai "pegar" e ser incorporada por empresas e sindicatos em pouco tempo. O especialista prevê até oito anos para que as medidas listadas no projeto entrem realmente em vigor nas relações de trabalho. Pastore levantou críticas à judicialização das relações trabalhistas e destacou que "o maior perdedor" da aprovação da reforma é a comunidade jurídica.
PUB
Pastore estima que haverá diversas reações assim que o texto for aprovado e um certo temor das novas diretrizes serem acordas entre empresas e trabalhadores. O sociólogo disse que as mudanças vão entrar em operação "com o tempo" e que ninguém vai arriscar em "colocar tudo de uma vez" em prática nas negociações. "Pode ter reações inesperadas. Não tenho a menor segurança de dizer que isso vai pegar no ano seguinte, por exemplo", afirmou o professor a empresários na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). "São corporações, todos vão reagir. Acho que vai demandar tempo, cinco, seis, sete ou oito anos para a gente poder chegar em um nível em que todas as medidas estariam funcionando de forma azeitada", disse.
No curto prazo, o impacto imediato será na redução de ações na Justiça do Trabalho, estima o especialista. Ele afirmou que a expectativa de juristas é que o número de processos diminua em ao menos 50% no ano seguinte à sanção do projeto. Em 2016, a Justiça trabalhista recebeu 3 milhões de novas ações na primeira instância. "Vai ser uma redução do custo Brasil, porque esse custo da insegurança é muito alto, o custo da burocracia é muito alto", disse. Ele exemplificou que as empresas poderão reduzir os gastos com processos judiciais de 10% do orçamento para 2% de seus custos.
Pastore disse ainda que a comunidade jurídica é o grande "perdedor" da aprovação da reforma. "Tem vários ganhadores, a começar pelo trabalhador, que pode ter um novo ambiente de negócio mais para frente e gerar empregos. Agora, tem um perdedor claro: toda a comunidade judicial, juízes, promotores e advogados", disse.
O professor apontou que, atualmente, a Justiça do Trabalho faz súmulas que funcionam como leis e interfere em diversas negociações de trabalhador com empregadores. "A lei não manda negociar com o sindicato, a Justiça do Trabalho manda", disse Pastore em referência às demissões sem justa causa e que o projeto elimina a necessidade de homologação com o sindicato.
O especialista disse que propostas como a regularização do trabalho intermitente serão incorporadas pelas empresas em dois ou três anos. "No longo prazo, vai aumentar a formalização, vai reduzir o medo de empregar, que hoje é muito grande em face da legislação e da jurisprudência no poder judiciário", disse.
Durante a palestra, Pastore disse que o fim da obrigação da contribuição sindical, um dos pontos mais polêmicos da proposta e que foi acrescentado pelo relatório na Câmara, é importante em um país que tem 17 mil sindicatos "cuja maioria é balcão de negócios"
Para o professor, o projeto que está em discussão não retira direitos da CLT, como diz a oposição. "Nenhum dos direitos foi revogado da CLT, eles foram admitidos do jeito que estão na CLT de tal modo que as partes que quiserem negociar diferente podem, mas quem não quiser negociar fica com os pontos da CLT", argumentou. "O projeto abriu a liberdade e garantiu a proteção. Não revogou nada na negociação e na legislação. A CLT vai ficar intacta."
Risco de mutilação
A ideia do presidente da República, Michel Temer (PMDB), de contemplar senadores com uma Medida Provisória para evitar mudanças do texto no Senado e o retorno do projeto à Câmara, o que adiaria o projeto no Congresso e aumentaria o risco de questionamentos, pode mutilar a reforma, disse Pastore. "Aqui está um risco. Medidas Provisórios podem viabilizar, mas também podem inviabilizar muito e mutilar muitas coisas do projeto e ocasionar estragos", afirmou.
O especialista defendeu que o governo e as empresas façam uma campanha de comunicação do projeto para convencer os senadores e a população. "Vai precisar ter essa informação, as próximas duas ou três semanas são cruciais", disse.
Pastore levantou a possibilidade de o projeto ser questionado pela oposição no Senado com o argumento que a reforma é inconstitucional pois a Constituição só permite alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para melhorar a vida social do trabalhador. "Agora quem decide o que é melhor para mim. O advogado, o juiz ou sou eu? É um ponto que vai ser levantamento e, provavelmente, vai ter que ser atacado com parecer de juristas e grandes constitucionalistas de peso para colocar as coisas no lugar", observou o sociólogo.
O sociólogo, que considera a reforma da forma como foi aprovada na Câmara como um "grande passo" para o País, destacou que o projeto garante liberdade e proteção ao trabalhador, equilibra direitos e deveres, estabelece a autorresolução de impasses, reduzindo os questionamentos judiciais, e a inclui na lei modalidades hoje não tem proteções previdenciária e trabalhista.
Desemprego
O professor estima que a reforma trabalhista irá, gradualmente, melhorar o ambiente de trabalho e diminuir o desemprego. Ele discorda, entretanto, com a estimativa do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que afirmou que a aprovação do texto será capaz de criar 5 milhões de empregos. "Eu não endosso a previsão do governo. Eu acho que vai gerar empregos de maneira gradual. Tecnicamente sou responsável para dizer que não acho que tem um número, será gradual na medida em que melhora o ambiente geral", disse. No longo prazo, a reforma deve aumentar também a renda do trabalhador. "Tem que passar a recessão, porque na recessão a renda está condicionada ao emprego. Vai demorar um pouco para poder chegar em nível de melhoria de renda", afirmou.
Alterações
Em entrevista coletiva após a palestra, José Pastore disse que não há alterações necessárias para o Senado fazer na proposta. Comentando a possibilidade de mudanças levantada pelo relator do texto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que já demonstrou interesse em restringir para alguns segmentos o trabalho intermitente e a jornada de 12 horas trabalhadas com 26 horas de descanso, o especialista disse que automaticamente esses itens já valem para determinadas atividades.
"Não é qualquer atividade que entra na jornada 12 por 36. Não há o que mexer para dizer que vai definir quais são as atividades. Não tem o que definir, aquilo que se encaixa entra, aquilo que não se encaixa não entra. A mesma coisa vale no trabalho intermitente", argumentou. Para o professor, a prevalência do negociado sobre o legislado é a parte mais crucial do projeto. "Se mexer no positivo, se tirar do projeto a ideia de negociar e isso valer mais que a lei, é uma mutilação grave", classificou. Com informações do Estadão Conteúdo.