Cannes se entrega à perversão europeia

Festival se abriu à perversidade ao exibir "Happy End" e "The Killing of a Sacred Deer"

© Reuters Eric Gaillard

Cultura FESTIVAL 22/05/17 POR Folhapress

O Festival de Cannes se abriu à perversidade com a exibição de "Happy End" e "The Killing of a Sacred Deer", dois títulos em competição que reafirmam a sordidez da obra de seus diretores - respectivamente, o austríaco Michael Haneke e o grego Yorgos Lanthimos. Em ambos os casos, a repercussão foi abaixo do aguardado.

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Do primeiro esperava-se um drama que abordasse a questão dos refugiados, tema quente na Europa e que tem refletido na produção do continente. Ao menos, era assim que a imprensa internacional se referia a "Happy End", tendo em vista que Haneke andava filmando em Calais, cidade no norte da França que até o ano passado concentrou um gigante campo de refugiados apelidado de "a selva".

Os refugiados até aparecem numa cena chave, mas estão longe de ocupar o coração do filme, que se volta para o retrato de uma família abastada que é um pouco o epítome da Europa branca.

O universo nesse longa de título irônico ("final feliz") é o típico de Haneke: há espancamento, perversões sexuais, morte de animais, tentativas de eutanásia, comentários xenofóbicos.

O patriarca da família, vivido por Jean-Louis Trintignant, é um octogenário que tenta a todo custo dar cabo da própria vida desde que morreu sua mulher (um eco inegável com o personagem que o ator interpretou em "Amor", filme anterior de Haneke).

Isabelle Huppert vive uma das filhas dele, mais uma mulher durona em seu currículo, e Mathieu Kassovitz faz o outro filho, sujeito que tem de voltar a viver com a filha adolescente, Ève (Fantine Harduin), após a mãe dela sofrer overdose de antidepressivos.

Ève registra o cotidiano de sua família por meio do celular - a cena que abre o longa é a tela do que parece ser a câmera de alguma rede social. Outra tela virtual que ocupa boa parte do longa é aquela em que o personagem de Kassovitz troca mensagens eróticas com uma amante.

"Não dá para discutir o mundo hoje sem falar das redes sociais", disse Haneke em entrevista coletiva. "É difícil falar dos tempos atuais sem abordar o quão cegas as pessoas estão para certos temas. Temos a impressão de que estamos mais bem informados, mas na verdade não sabemos nada. Só sabemos o que experimentamos com a prática."

O diretor de "A Fita Branca" (2009) também foi levado a falar da fama de perverso. "Não sou tão mau assim", brincou Haneke. Coube a Fantine Harduin encorpar o coro da defesa: "Ele é muito meticuloso, mas é bondoso".

4 X NICOLE KIDMAN

"The Killing of a Sacred Deer" marca uma das quatro produções que Nicole Kidman tem neste ano no festival e que a fizeram ser apelidada de "rainha de Cannes".

Ela ainda aparece em "O Estranho que Nós Amamos", também em competição, em "How to Talk to Girls at Parties", fora da disputa, e na série "Top of the Lake".

"Quero apoiar quem tem visão única ou está tentando coisas de forma diferente. Sou a favor de assumir riscos", disse a atriz sobre os projetos que tem escolhido. "Sempre tive um espírito rebelde, de não me conformar com as coisas".

Em "The Killing of a Sacred Deer", Kidman faz uma mãe de família afrontada pela presença sinistra do jovem paciente de seu marido (Colin Farrell).

Como nas demais obras do grego Lanthimos, há espaço de sobra para a sordidez das situações. O título - a morte do cervo sagrado - entrega que o filme é, antes de tudo, uma alegoria sobre sacrifício.

"Essa ideia [do sacrifício] está sempre presente na mitologia, faz parte da humanidade", disse o diretor, que tem nesse longa mais uma produção que evoca nome de algum bicho. Ele também dirige "O Lagosta" (2015) e "Dente Canino" (2009) - obras carregadas de algum senso de violência psicológica.

Ainda que tenha se sentido "hipnotizada" ao assistir ao filme, Kidman diz que não pretende assistir a "The Killing of a Sacred Deer" junto de seus filhos. "Eu separo bem a minha vida criativa da minha família", disse.

O tom do filme, algo entre comédia de humor negro e o drama carregado de crueldade, não gerou uma acolhida unânime em Cannes. Parte dos jornalistas vaiou o filme de Lanthimos. Com informações da Folhapress. 

Leia também: Documentário: Marilyn Monroe morreu por saber verdade sobre 'aliens'

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