Especialistas apontam erros cometidos em ação que matou carroceiro

"O uso da arma de fogo nada justifica. Eles estavam em supremacia numérica", explicou Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

© Reprodução / Facebook

Justiça Polícia Militar 14/07/17 POR Folhapress

Uma abordagem policial ideal começa com uma voz de comando e termina, em último caso, com o disparo de arma de fogo. Nesse intervalo, os agentes têm a mão uma gama de possibilidades para conter e preservar a integridade física da pessoa abordada e garantir a segurança do ambiente.

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Os PMs podem usar equipamentos não-letais (spray de pimenta e cassetetes), táticas de imobilização, solicitar reforço de equipe e até apoio de profissionais de saúde, como psicólogos e assistentes sociais, a depender do atendimento.

Mas nenhum desses procedimentos foi seguido na abordagem feita ao carroceiro Ricardo Silva Nascimento, 39, morto na noite da última quarta (12) por um tiro disparado por um PM na rua Mourato Coelho, em Pinheiros, na zona oeste da capital paulista.

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Segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, faltou diálogo e sobrou abuso da força. "O uso da arma de fogo nada justifica. Eles estavam em supremacia numérica, eram dois contra um, tinham equipamentos não-letais que poderiam conter o carroceiro", explicou Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Lima explica que, no caso de Ricardo, a ordem verbal não funcionaria. O carroceiro estava visivelmente alterado, segundo testemunhas, e pedia comida numa pizzaria.

Foi a atendente do estabelecimento que chamou a polícia porque o carroceiro segurava um pedaço de pau.

O passo seguinte seria a imobilização com equipamentos não-letais. "Eles portavam cassetetes e spray de pimenta, que poderiam funcionar para conseguirem tirar o pedaço de madeira da mão dele", disse Lima.

Quando uma pessoa abordada está visivelmente alterada, o ideal, segundo especialistas, é encaminhar o indivíduo para serviços especializados, como o Caps (Centro de Atenção Psicossocial).

Para Henrique Apolinário, advogado da ONG Conectas Direitos Humanos, um policial bem treinado media conflitos. "Quando ele gera conflitos, alguma coisa está errada", diz.

"O policial precisa ter treinamento para situações específicas, para fazer leituras rápidas das ocorrências. Há risco para os demais presentes? Para a pessoa abordada? Sem essa leitura, erros gravíssimos como os do caso de Ricardo continuarão acontecendo", afirma Apolinário.

A Polícia Militar paulista usa o método Giraldi, conjunto de normas cujo objetivo é reduzir a letalidade policial, criado pelo coronel da reserva da PM Nilson Giraldi. O programa é composto de lições teóricas e circuitos de tiro.

Por meio da técnica, o agente aprende a adotar precauções antes de sacar uma arma de fogo. Também aprende qual tipo de força precisa empregar a depender da ameaça recebida. O método é claro e reforça que atirar é a última opção, caso as demais estejam esgotadas.

Para o ouvidor da PM Julio Cesar Fernandes Neves, nem o método que baliza a formação dos agentes foi seguido. "Se o método tivesse sido cumprido, ele [Ricardo] estaria aqui, vivo", afirmou.

Outro erro grave apontado pelos especialistas foi a retirada do corpo do carroceiro do local do crime. Após ter sido atingido duas vezes à queima-roupa, Ricardo foi posto no porta-malas do carro da PM e levado para ser atendido no Hospital das Clínicas, onde chegou sem vida.

"A PM descaracterizou o cenário do crime e reforçou o estereótipo de abuso que a persegue tirando o corpo da vítima daquele jeito", diz Apolinário.

Para o especialista, o correto seria acionar uma ambulância do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que tem profissionais especializados para constatar se a vítima está ou não morta. Se o carroceiro tivesse morrido no local, o único papel da PM seria o de isolar a área e aguardar a chegada da perícia.

"Também deveriam ter devolvido ali mesmo as armas e comunicado os superiores diretos, o delegado da área e o Ministério Público", complementa Apolinário.

INVESTIGAÇÕES

Agora, duas investigações correrão em paralelo para apurar as responsabilidades dos agentes.

A apuração na Corregedoria da PM investigará os erros cometidos, que, se comprovados, poderão levar à demissão dos militares. Na Polícia Civil, os militares serão responsabilizados criminalmente pela morte do carroceiro.

O corregedor da Polícia Militar, coronel Marcelino Fernandes da Silva, reafirmou a opinião dos especialistas em segurança e direitos humanos: os militares usaram de força exagerada e desproporcional.

Para Silva, os policiais tinham outras duas opções antes de usar a arma de fogo.

"Eles estavam com o cassetete e também gás de pimenta, que poderiam ter usado, e não dar dois tiros em alguém que estava com um pedaço de pau. Não havia ninguém correndo risco no local", disse o coronel.

O órgão abriu um inquérito militar e apura o crime de homicídio. O boletim de ocorrência feito no dia do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa) foi registrado como morte em decorrência de intervenção policial (resistência) e tentativa de homicídio. Os tipos de crime podem ser alterados no inquérito policial.

No documento, os agentes dizem que o carroceiro "foi para cima dos policiais militares" com o pedaço de madeira e que um dos policiais, "para se defender, foi obrigado a efetuar dois disparos de arma de fogo em direção ao indivíduo".

Segundo o coronel, a Corregedoria também já identificou os policiais da Força Tática que teriam agredido um comerciante que filmava a ação. O homem disse que os PMs apagaram o vídeo. O órgão vai tentar recuperá-lo. Com informações da Folhapress.

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