Ministério do Trabalho investiga trabalho escravo de filipinas em SP

As violações foram descobertas a partir da denúncia de uma filipina que disse ter sido submetida a uma série de situações análogas à escravidão

© Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Brasil exploração 02/08/17 POR Folhapress

Uma fiscalização do Ministério do Trabalho de São Paulo identificou estrangeiros, na sua maioria, filipinos sendo escravizados nos próprios locais de trabalho.O esquema, que será investigado por órgãos da Justiça, envolve uma rede de agências de emprego que atuam em países asiáticos para levar até o Brasil mão de obra barata para funções domésticas.

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As violações foram descobertas a partir da denúncia de uma filipina que disse ter sido submetida a uma série de situações análogas à escravidão numa casa onde trabalhava e morava na capital paulista.De acordo com o Ministério do Trabalho, o caso só foi descoberto porque a vítima conseguiu fugir do local no início desse ano e, em seguida, procurou as autoridades brasileiras para relatar o terror que viveu.

Na casa, a mulher disse que exercia a função de babá e doméstica para uma família de paulistanos de alta renda. Ela afirmou ainda aos auditores do trabalho que passava fome diariamente, não tinha liberdade para ir e vir e era obrigada a cumprir jornadas de até 16 horas por dia.

A filipina, que não teve a identidade revelada, foi amparada pela ONG Missão Paz, entidade ligada à Igreja Católica que presta auxílio a estrangeiros em situação de risco na capital paulista. Segundo Lívia Ferreira, auditora do Ministério do Trabalho, a trabalhadora filipina também era forçada a ficar à disposição da família mesmo em horários fora do expediente.

"Ela disse que passou a ficar doente com frequência porque recebia pouca comida dos patrões. Ela tinha que comprar alimentos do próprio bolso para se manter em pé", afirmou Ferreira.

A auditora disse ainda à reportagem que uma segunda vítima, também filipina, passou pelas mesmas situações na casa da família paulistana. A fiscalização também localizou uma terceira mulher do país asiático que contou ter sido escravizada numa outra residência de São Paulo.

PROPOSTA FURADA

Os três relatos das vítimas levaram o Ministério do Trabalho a montar uma operação, que acabou localizando outros estrangeiros sendo explorados nos seus empregos.

Para o Ministério do Trabalho, todos as vítimas disseram que recebiam boas propostas salarias para cargos geralmente na área da prestação de serviços, mas só tomavam conta de que estavam sendo enganados quando chegavam ao Brasil.Foi o que aconteceu com outros três filipinos encontrados sob péssimas condições de trabalho num hotel na cidade de Amparo (a 133 km de São Paulo).

"Eles trabalhavam em todos os finais de semana, sem hora-extra e com jornadas entre 12h e 14h. Eles disseram que nunca podiam folgar aos domingos. Também recebiam a metade do salário prometido", disse Ferreira.

O hotel, segundo a auditora, também não fornecia alimentação aos estrangeiros, mesmo com o grupo morando nas dependências do empreendimento. "O hotel fica a 20 km do centro da cidade. Eles disseram que faziam viagens de táxi para comprar comida", afirmou a auditora.

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Os auditores do trabalho multaram e também interditaram o setor de lavanderia do hotel porque foi verificado durante a inspeção que as máquinas de lavar representavam um alto risco à integridade física dos trabalhadores. A administração do espaço também terá de provar, com documentos, se cumpria os direitos trabalhistas previstos aos funcionários estrangeiros.

A primeira fase da operação do Ministério do Trabalho foi encerrada nesta última segunda (31) e o resultado das inspeções foi encaminhado ao Ministério Público do Trabalho, à Defensoria Pública da União, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, que tomarão medidas nas áreas cível, criminal e trabalhista contra os empregadores suspeitos.

Um grupo de trabalho da Defensoria Pública da União que investiga casos de tráfico internacional de pessoas vê a prática desse crime entre os filipinos e abriu uma apuração interna, informou a defensora federal Daniela Muscari. "Os indícios são fortes. Eles foram cooptados no país deles, receberam uma proposta e chegando aqui tiveram sua força de trabalho explorada."

Para Muscari, não é possível dizer que o caso expôs uma nova rota de tráfico de pessoas entre o Brasil e as Filipinas por deficiências nas investigações. "Essas violações não foram descobertas por uma investigação, mas por uma denúncia", informou.

A Defensoria Pública da União já obteve na Justiça o visto de permanência para as três filipinas que fizeram as denúncias ao Ministério do Trabalho. O órgão também vai buscar na Justiça a reparação dos direitos trabalhistas e cobrar indenização por danos morais.

AGENCIAMENTO

As três mulheres das Filipinas que denunciaram os maus-tratos que sofreram no Brasil foram agenciadas pela Global Talent, empresa especializada em contratar domésticas estrangeiras.

A companhia foi multada (valor ainda está sendo contabilizado) por irregularidades no processo de concessão de visto às trabalhadoras, segundo o Ministério do Trabalho.

A reportagem procurou a empresa, mas não obteve resposta até esta publicação. Ao site "Repórter Brasil", a Global Talent repudiou as acusações e disse que não contrata estrangeiros já que sua função é a de apenas "regularizar a documentação de estrangeiros que pretendem trabalhar no Brasil."

As filipinas entraram no Brasil com visto de trabalho válido por dois anos e ganhavam até R$ 2.000 por mês. O contratante pagava o triplo para a agência, além da passagem da funcionária.

Em 2015, reportagem da Folha de S.Paulo revelou que a Global Talent foi alvo de uma investigação do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro sob a suspeita de prática de dumping, quando os salários recebidos por estrangeiros são menores do que os pagos no mercado nacional.

A importação de empregadas filipinas se tornou possível desde uma regulamentação de 2012 do Ministério do Trabalho, que permite a contratação de mão de obra estrangeira por pessoas físicas, e não apenas empresas.

Mas o próprio ministério quer acabar com essa farra, pelo menos, em funções como as de babás e as ligadas à limpeza. "Vamos sugerir às autoridades competentes do país a não conceder vistos de trabalho doméstico a estrangeiros para inibir novos casos de exploração por aqui", disse a auditora Lívia Ferreira.

A segunda fase da operação da pasta do Trabalho será a de inspecionar a documentação de 130 empregadores do país que deram trabalho recentemente a 180 estrangeiros, a maioria oriunda das Filipinas. A medida será feita para verificar se os trabalhadores de fora do país estão com os direitos trabalhistas garantidos.

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