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As dietas restritivas são cada vez mais discutidas e questionadas por sua eficácia. A dieta cetogênica, que tem como proposta reduzir bruscamente a quantidade de carboidratos e aumentar consideravelmente o conteúdo de gorduras, mantendo a ingestão adequada de proteínas, é um dos exemplos comumente tratados apenas para a perda de peso. No entanto, para pessoas com epilepsia, pode ser recomendada como uma linha de tratamento para o controle de crises, desde que compatível com quadro do paciente e com acompanhado médico adequado.
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De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 30% dos casos de epilepsia não são controlados por meios medicamentosos, dessa forma, a dieta cetogênica é uma das alternativas, sendo uma possibilidade menos invasiva, como uma cirurgia, por exemplo. Mesmo assim, é necessário ter cautela ao iniciar qualquer procedimento dessa natureza e por isso a relevância de entender a fundo sua atividade no corpo e recomendação do especialista que acompanha o paciente.
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Para compreender melhor como a dieta funciona no organismo, a Dra. Letícia Sampaio, doutora em neurologia infantil pela Universidade de São Paulo (USP), compartilha alguns pontos relevantes a serem discutidos.
Funcionamento
A dieta cetogênica é rica em gorduras, equilibrada em proteínas e com menor quantidade de carboidratos, favorecendo a procura de outras fontes de energia. Sem a glicose, a gordura é a segunda opção para queima, o que explica o aumento da escolha do cardápio por pessoas que desejam perder peso em curto prazo. No entanto, quando falamos em sua utilização para o tratamento da epilepsia, ganha cunho terapêutico: “A dieta irá induzir o aumento da produção dos corpos cetônicos, que ocorre por conta dessa queima de gordura pelo fígado, estimulando a cetose constante, que é justamente o que se procura no tratamento das crises”, pontua a Dra. Letícia.
É importante ressaltar que a dieta é um tratamento e para ser executada é preciso uma análise meticulosa do paciente, até porque existem efeitos adversos, como hipoglicemia, acidose, aumento do colesterol ou refluxo. Dessa forma, pode ser considerado um tratamento multidisciplinar, envolvendo especialistas de diferentes áreas, como neurologista e nutricionista.
Tratamento
Essa opção é recomendada para crianças, adolescentes e adultos com epilepsia de difícil controle depois de não responderem como esperado à primeira linha de tratamento feita com, no mínimo, dois fármacos. “Ela pode ser iniciada de duas formas, ambulatorial, que não envolve grande estrutura, e normalmente nos “ceto-centros”, que são os lugares mais adequados para esse tipo de atendimento. Também é possível quando há casos de internação hospitalar, principalmente para crianças no primeiro ano de vida. A dieta é introduzida gradualmente, sendo a cada semana aumentada a quantidade de gordura na dieta. Não é necessária a realização de jejum para a introdução da dieta, mas o protocolo depende de cada serviço, pontua a doutora.
A dieta é constituída de quatro refeições ao dia: café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Conforme a continuidade do procedimento, a quantidade de gordura inserida será aumentada. Todas as refeições devem ser seguidas à risca. Sendo assim, é importante que a alimentação tenha orientação profissional. “Um ponto significativo de se lembrar, é que a dieta cetogênica não oferece as vitaminas e minerais necessários para um funcionamento considerado saudável do organismo. Assim, é muito importante que seja sempre realizada a suplementação com polivitamínicos e minerais”, lembra a doutora.
Ainda segundo a especialista, “o procedimento envolve comprometimento e paciência. Cada paciente responde de forma distinta ao tratamento, podendo apresentar resultado em semanas até meses. Outra pergunta comum é sobre o tempo mínimo de duração. Recomenda-se três meses para avaliação do quadro e optar por continuidade ou não”. Normalmente, a dieta não é seguida pela vida toda, sendo mantida por uma média de dois a três anos na rotina alimentar do paciente.
Resultados
É possível verificar os resultados por meio dos exames de urina, em que mensura a quantidade de corpos cetônicos, que estão sendo estimulados para aumentar durante a terapia. Quanto maior o número de corpos, melhor a resposta ao tratamento. “Isso acontece porque a dieta incita um estado de cetose constante, que é a chave para o controle das crises” afirma a médica.
Ainda para o sucesso da terapia é preciso que familiares, amigos e colegas de escola ou emprego estejam envolvidos durante o processo: “é um tratamento que exige muita organização e envolvimento, pois demanda criar um ambiente e uma estrutura que facilite o convívio com a restrição alimentar, que não é algo fácil”. Uma das principais ferramentas para lidar com a doença é induzir as pessoas de convívio com o paciente à conscientização sobre os obstáculos enfrentados.