© Reuters / Ueslei Marcelino
Salvador Sousa Santos sempre teve bom peito e nadou bem, mesmo aos 68 anos, garante o filho mais velho, Marcelo Santos, 45. "Muito ativo, muito forte, nem parece ter a idade que tem", diz.
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Ao ver que a lancha em que estava começou a virar na baía de Todos-os-Santos, Salvador teria saltado ao mar. Viu o desespero das outras pessoas que ainda estavam no barco, nadou e teria conseguido salvar duas mulheres. Voltou à pedra, tomou fôlego e se lançou ao mar mais uma vez para salvar mais vítimas do naufrágio, mas não voltou.
O relato pode não ser exatamente verdadeiro, mas assim foi contada a história do desaparecimento de Salvador a seu filho. E assim Marcelo a tem retransmitido.Salvador era um dos passageiros do naufrágio que na última quinta-feira (24) matou 18 pessoas no trajeto entre a ilha de Itaparica e a capital baiana.
Ele saiu de casa na ilha com sua bolsa cheia de ferramentas para trabalhar mais um dia como eletricista na capital, mas não voltou.
É a única vítima do acidente cuja família registrou boletim de ocorrência reclamando o sumiço. Bombeiros ainda buscam um segundo corpo, de uma adolescente, cuja identidade é desconhecida.Ao todo, 124 passageiros estavam a bordo, 18 corpos foram encontrados, 91 pessoas passaram por unidades de saúde. As outras 15, inicialmente, as autoridades chegaram a divulgar que estavam desaparecidos. O dado, porém, não se confirmou nos dias seguintes, já que fora a família de Salvador, nenhuma outra procurou a polícia para registrar o sumiço.
Os bombeiros e Marinha passaram então a trabalhar com a hipótese de que eles haviam sido resgatados ou se salvado sozinhos e voltaram para suas casas sem fazer qualquer registro na delegacia.
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Neste domingo (27), Marcelo, o filho de Salvador, saiu da capital baiana para saber de notícias de seu pai, na ilha de Itaparica. Na balsa, soube por um amigo que um corpo havia sido encontrado próximo à praia da Barra, em Salvador."Se a gente for cair em cada boato, fica louco", diz Marcelo. Nenhum corpo foi achado pelas equipes de busca desde quinta-feira (24).
Desde o acidente, os filhos de Salvador já passaram por necrotérios, hospitais e delegacias de quase todo o recôncavo baiano sem pistas do pai.
Na delegacia de Vera Cruz, o maior dos dois municípios que formam a ilha de Itaparica, Marcelo buscou saber se pertences de seu pai haviam sido encontrados. Nada.
Mais adiante, na praça da cidade onde moradores depositaram flores e acenderam velas em homenagens às vítimas, buscou informações com bombeiros sobre as buscas por corpos. Sem sucesso.Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, escutou moradores comentando que dois corpos do acidente haviam sido encontrados na praia Barra Grande, também na ilha, a 20 km de Vera Cruz.
Ainda sem resposta, Marcelo foi para o sítio do pai. Lá encontrou Preto, o vira-lata do pai cuidando do terreno. O cão tem sido alimentado por vizinhos e familiares desde que Salvador deixou o local.
SÍTIO VAZIO
O sítio ainda está decorado com bandeirinhas de São João e fitas brancas do Senhor do Bonfim amarradas nos postes."Aqui era a farra dele, das famílias e dos amigos. A gente vinha, fazia uma festa, jogava dominó", diz o amigo Júlio Conceição.
Na porta da casa, uma foto de Irmã Dulce -religiosa que se notabilizou pelo trabalho assistencial em Salvador e foi beatificada em 2011.
A beata dá nome a um hospital filantrópico na capital baiana. Nele, Salvador Souza foi operado e curado de uma infecção grave. Desde então, virou devoto."Uma vez por mês ele ia levar as mangas e cocos que pegava no sítio para a equipe do hospital", conta Marcelo.Em pé, em frente ao píer de onde o pai partiu e não voltou, Marcelo mira o horizonte.Ele acredita que o pai possa estar vivo em algum outro ponto da baía, sem conseguir entrar em contato."Como corpo ainda não apareceu, ainda resta uma esperança. Se tivesse morrido, já teria aparecido a essa hora. Isso me dá calma", diz.