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A OIT (Organização Internacional do Trabalho) se posicionou oficialmente nesta quinta-feira (19) criticando a portaria do Ministério do Trabalho sobre mudanças em torno da fiscalização do trabalho escravo no Brasil. Na segunda-feira (16), uma portaria alterou a definição de trabalho escravo, os critérios de autuação e a forma de divulgação da chamada "lista suja", com o nome dos envolvidos nesse tipo de crime.
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Em comunicado, a OIT afirmou que, com a portaria, o Brasil corre o risco de romper "trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo."
A organização, que é ligada à ONU (Organização das Nações Unidas), afirmou ainda que eventuais desdobramentos da portaria poderão ser analisados pelo Comitê de Peritos do órgão.
"A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada", diz o comunicado.
A entidade reforça os "vinte anos de trajetória no combate à escravidão contemporânea" no país, que tem uma "definição conceitual de trabalho escravo moderna e alinhada às convenções internacionais da OIT", diz. "Além disso, é importante ressaltar que a atitude proativa e transparente do Brasil tem sido um elemento importante para as relações de comércio exterior."
Representantes da União Europeia (UE) e do setor empresarial brasileiro sinalizaram que as mudanças em torno da definição de trabalho escravo podem ter impactos sobre as exportações brasileiras. A OIT vê riscos de que, com as alterações, o Brasil não alcance os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU em relação à erradicação do trabalho análogo à escravidão.
"A tendência global claramente aponta para esta direção [de adotar medidas para combater o trabalho escravo] e seria lamentável ver o país recuar com relação aos instrumentos já estabelecidos, sem substitui-los ou complementá-los por outros que tenham o objetivo de trazer ainda mais proteção aos trabalhadores e trabalhadoras, garantindo assim o respeito à dignidade da pessoa humana."
RECOMENDAÇÕES
A OIT reforçou recomendações feitas pelo Comitê de Peritos ao governo brasileiro em seu relatório anual de 2016. O comunicado diz que o comitê recomendou que eventuais alterações no conceito de trabalho escravo não criassem obstáculos, na prática, às ações de fiscalização e punição de responsáveis.
O comitê aconselhou o governo brasileiro a consultar autoridades envolvidas no tema, em particular a auditoria fiscal do trabalho, o Ministério Público e a Justiça Trabalhista, na discussão sobre uma possível alteração do conceito.
"Modificar ou limitar o conceito de submeter uma pessoa a situação análoga à de escravo sem um amplo debate democrático sobre o assunto pode resultar num novo conceito que não caracterize de fato a escravidão contemporânea, diminuindo a efetividade das forças de inspeção [...] contribuindo inclusive para o aumento da pobreza em várias regiões do país", diz a nota.
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Sobre a "lista suja", o comitê encorajou que o governo continuasse tomando as medidas necessárias para que a lista fosse publicada regularmente e da maneira mais transparente possível. "É fundamental que a definição da lista seja um ato técnico e isento, oriundo dos profissionais de fiscalização que possuem conhecimento dos fatos encontrados."
Quanto à inspeção, o comitê notou, em seu relatório, a redução do número de unidades móveis de fiscalização e recomendou que o governo adotasse providências para dotar a inspeção de recursos humanos e financeiros suficientes para o cumprimento de sua missão.
A Folha de S.Paulo mostrou, no entanto, que as operações de fiscalização de trabalho escravo realizadas pelo Ministério do Trabalho vêm caindo desde 2013 e despencaram com os cortes da União neste ano.
Em março de 2017, o contingenciamento de gastos da União afetou os recursos destinados à Secretaria de Inspeção do Trabalho, do ministério, que perdeu 70% do orçamento que vinha do Tesouro Nacional -R$ 22 milhões de um total de R$ 31 milhões.
No ano até julho, foram realizadas 49 operações, ante 115 em 2016. O número de trabalhadores resgatados foi de 885, no ano passado, para 73 neste ano até setembro.
MUDANÇAS
A portaria no ministério proíbe a divulgação da "lista suja" sem autorização expressa do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB). Antes, a divulgação cabia à área técnica da pasta, que era chefiada André Roston, exonerado em 10 de outubro.
A norma prevê que a lista seja divulgada no site do ministério duas vezes por ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. Uma portaria de 2016, porém, permitia que a atualização da lista ocorresse "a qualquer tempo", desde que não ultrapassasse periodicidade superior a seis meses.
As novas regras também alteram o modelo de trabalho dos auditores fiscais e elencam uma série de documentos necessários para que o processo possa ser aceito após a fiscalização.
Entre as medidas, está a necessidade de que o auditor fiscal seja acompanhado, na fiscalização, por uma autoridade policial, que deve registrar boletim de ocorrência sobre o caso. Sem esse documento, o processo não será recebido e, com isso, o empregador não será punido.
Também é necessária a apresentação de um relatório assinado pelo grupo de fiscalização e que contenha, obrigatoriamente, fotos da ação e identificação dos envolvidos. A portaria ainda tornou mais restrito o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima".
A medida, que atende aos interesses da bancada ruralista, ocorreu em meio à análise da nova denúncia na Câmara dos Deputados contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça nesta quarta-feira (18). Com informações da Folhapress.