#couchlele: conheça a brasileira que roda o mundo em troca de tatuagem

Através da internet, artista gaúcha encontrou um meio de desbravar caminhos e possibilidades de levar sua arte para mais cantos do mundo

© Reprodução/Facebook

Lifestyle ECONOMIA CRIATIVA 14/11/17 POR Marina Magalhães

Como seria rodar o mundo fazendo aquilo que mais gosta? Quando deixou o Brasil há dois anos para estudar em Madri, Letícia Heger Viegas, hoje com 23 anos, não imaginava que a paixão pela tatuagem lhe levaria a tantos lugares diferentes.

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Mais ainda, ao universo íntimo de pessoas estranhas, que deram muito além da pele para a gaúcha aprimorar a técnica e bem mais que o sofá para a artista descansar das andanças pelas cidades. Em relações construídas sobre os pilares de descobertas e confiança mútua, a arte encontrou o seu lugar como moeda de troca.

Na era digital, o espírito do escambo – o esquema antigo de trocas de bens ou serviços sem o envolvimento de dinheiro – retorna em iniciativas como o Couchsurfing.

Foi inspirada em redes sociais como essa, na qual os membros oferecem um cantinho para pouso ou a companhia de quem vive no destino procurado pelos viajantes, que a finalista de Design Gráfico criou uma versão inovadora do projeto, batizada como #couchlele.

Assim, na hora de arrumar a bagagem para a próxima parada, entre as roupas de cada estação a ilustradora mistura papel, lápis, caneta, tinta, agulha e pincel para retribuir a gentileza de quem abre as portas da casa para recebê-la durante as suas idas e vindas. Inspirada nas histórias de quem a acolhe, Lelê cria o desenho que quer deixar. O processo, como ela define, aproxima-se de um ritual, “no qual existe troca, existe energia, existe vida”.

"foi a sua força que te trouxe até aqui, sua florescência também me inspira a florir"  gracias @lunapizzato pela pernoca, @rotinaerabisco pela sensibilidade e todas as mulheres maravilhosas que nos inspiram a seguir  #nãosubestimeopoderdasmina #vegantattoo #couchlele #tattoolele #ohohlele

Uma publicação partilhada por oh-oh, lelê • letícia heger (@ohoh.lele) a Ago 3, 2017 às 1:28 PDT

“Tatuagem é prática, como quase tudo. Cada vez que eu tatuo, eu fico melhor, tenho mais domínio com a pele, consigo tatuar áreas mais diferentes, peles mais sensíveis. Essa experiência  do #couchlele faz com que eu desenvolva a minha técnica. Tatuar um braço é diferente de tatuar um peito, que é diferente de tatuar uma coxa. Eu sempre deixava claro, no começo, que eu estava oferecendo a troca, mas que era também uma forma de praticar a tatuagem”, disse a tatuadora.

Foi por meio da internet que a artista encontrou um modo de desbravar caminhos e possibilidades para levar mais arte para mais cantos do mundo. E foi num desses cantos, enquanto tatuava em Lisboa, um dos seus pousos preferidos, que Letícia Heger bateu um papo com o Notícias ao Minuto Brasil. Ela falou sobre a sua experiência como tatuadora andarilha e sobre como isso pode impulsionar outras iniciativas de economia criativa.

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I'm on my way  #couchlele

Uma publicação partilhada por Letícia Heger (@leticiaheger) a Out 9, 2017 às 1:17 PDT

Como surgiu a ideia de unir duas paixões, tatuar e viajar?

Eu já tinha visto alguns projetos de pessoas que viajavam trocando os seus ‘skills’ [habilidades], mas na verdade nunca pensei que eu poderia ser uma delas. Como já fazia desenhos de tatuagens, nas minhas férias de verão eu me interessei em aprender a tatuar e juntei a viagem que queria fazer, antes como couchsurfing normal, para oferecer o meu trabalho, que seria a tatuagem.

Por quais lugares você passou nesse primeiro ‘tour’ do #couchlele?

Parti de Madri, fui primeiro a Barcelona, depois passei por Vilanova i la Geltrú, na Espanha. Viajei para a Holanda, com paradas em Amsterdã e Roterdã; fui à Inglaterra, para Londres e Liverpool, além da Irlanda, onde estive em Dublin e Cork. Também passei por Paris, Lisboa… No Brasil fui ao Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Às vezes aconteceu de eu não tatuar porque a pessoa não teve interesse, não teve tempo ou estava insegura, Mas em todas as minhas passagens sempre tento deixar alguma coisa, um desenho, um cartaz ou um presente.

#couchlele

Uma publicação partilhada por Letícia Heger (@leticiaheger) a Jul 27, 2016 às 5:35 PDT

Como você conseguiu alcançar pessoas de países tão diferentes através do #couchlele?

Hoje já recebo mensagens de pessoas pedindo, de vários lugares diferentes, para ficar na casa delas. Quando fiz o tour pela primeira vez já tinha roteiro, previsão de datas definidas e pedi para as pessoas sugerirem ou disponibilizarem suas casas para eu ficar em troca da tatuagem ou serviço. São normalmente pessoas que me seguem ou amigos de pessoas que me seguem no Instagram ou Facebook. Geralmente fico na casa de seguidores brasileiros ou de amigos estrangeiros que já conhecia antes.

Como as redes ajudaram a difundir o projeto?

O principal meio de divulgação é o Instagram. Acho que por conta dos algoritmos o Facebook acabou perdendo a importância, pelo menos para mim. O Instagram uso muito, é o jeito que as pessoas me conhecem, a principal porta para eu chegar até as pessoas. Também trabalho bastante com hashtags: #ohohlele e #tatoolele são para coisas que têm a ver com tatuagem, enquanto #couchlele é para fotos de viagens, que não são trabalhos, mas têm a ver com detalhes das viagens que faço com o projeto.

alô alô cariocas, quero rabiscar vocês // semana que vem eu e a @rotinaerabisco estaremos tatuando na @malha.cc> interessadxs enviar direct ou e-mail com briefing + local a ser tatuado #vegantattoo #tattoolele #couchlele #ohohlele

Uma publicação partilhada por oh-oh, lelê • letícia heger (@ohoh.lele) a Ago 6, 2017 às 2:43 PDT

Das viagens que você fez pelo #couchlele alguma te marcou em especial, positiva ou negativamente?

Acho que positivamente a de Lisboa. Mas sempre tenho conexões muito grandes em cada lugar, porque são pessoas que abrem a casa para alguém que nunca viram, com tudo delas dentro de casa. Lembro de conversar com meninas que me deram couch e falaram entre elas: “se a gente não gostar da Lelê é só colocá-la para fora na primeira noite”. No final da experiência elas me confessaram que estavam com medo que eu levasse algo da casa, mas na verdade perceberam que todas as minhas coisas, para três meses de viagem, estavam também ali.

É aquela percepção: tenho medo de abrir a casa para um estranho com medo que ele leve as coisas, mas ele sai para a rua e deixa tudo dele também ali. É uma confiança muito doida, mas quando você se permite abrir a casa para quem não conhece, a experiência se torna muito forte. Eu não me vejo mais viajando sem essa troca. Não é simplesmente chegar num hostel, depois de um dia de passeio sozinha, e simplesmente dormir. Ao chegar em casa você tem com quem conversar, trocar ideia, a viagem continua.

das cenas que vivi em Lisboa: amor de irmão @transdiario & @hugoscarpelli #tattoolele #vegantattoo #couchlele #ohohlele

Uma publicação partilhada por oh-oh, lelê • letícia heger (@ohoh.lele) a Jun 7, 2017 às 3:55 PDT

Nas redes você costuma falar sobre empoderamento feminino e o próprio projeto mostra isso: uma mulher, sozinha, viajando o mundo com a sua arte. Precisou tomar algum cuidado especial pelo fato de ser mulher?

Como a maioria do meu público é composta por mulheres, nunca fiquei em casa de homens. O primeiro contato sempre foi com uma mulher, sempre fiquei em casa de mulheres ou de casais. Eu sendo mulher e viajando dessa forma, outras mulheres podem ver isso como espelho, perceber que isso é possível. Não só mulheres, como artistas em geral, podem ver isso como um exemplo de prática da economia criativa.

Eu estou viajando, mas não estou gastando com hospedagem. Gasto com outras coisas. Daqui a pouco não estou pagando a minha comida também, porque posso fazer algum trabalho para o restaurante da esquina. É um outro modo de troca, eu nunca tive um feedback ruim, de ser colocada para fora da casa antes do tempo. Pelo contrário, aconteceu de ficar mais tempo ou de ser convidada a voltar.

Além da troca de hospedagem por tatuagem você ofereceu outro tipo de arte no âmbito do #couchlele?

Já troquei hospedagem para uma ilustração para um casal, com poemas que tinham a ver com a história deles, em Liverpool. Fiz também um desenho em uma parede do Rio de Janeiro em troca da acolhida. Na maioria das vezes, a troca acontece por tatuagem, mas isso não tem muito limite, as pessoas estão me recebendo e eu sou eternamente grata pelo carinho, pela casa, pelo chá, pelo café, como uma menina em Dublin que ofereceu até o quarto e colocou comida vegana na geladeira para mim. Como eu vou agradecer isso? Me sinto muito energizada quando isso acontece. Até agora não tive nenhuma experiência ruim.

Existe um crescimento notável de projetos de economia criativa, com pessoas trocando os mais inusitados serviços. Você acredita que isso tem fôlego para  se consolidar como uma via alternativa ao sistema tradicional?

Eu tenho muito contato com pessoas jovens e posso falar pela minha experiência. Óbvio que dinheiro é bom, mas não quero trabalhar só por dinheiro. Eu não posso pagar o supermercado ou o meu aluguel com tatuagem. Só que quanto mais puder fazer coisas de valor, e não de preço, eu continuarei fazendo. Se fizer sentido para mim me dedicar àquela coisa, independentemente de quanto vou ganhar em dinheiro, em termos de valor ganharei muito.

Claro que no mundo a gente precisa de dinheiro para viver e sobreviver, claro que as minhas viagens custam, mas acabam custando menos do que deveriam. E, porque gasto menos ou nada com hospedagem, tenho a oportunidade de viajar mais. Esse dinheiro economizado acaba sendo usado em outras coisas ou em outras viagens.

open diary #tattoolele in Madrid> appointments by DM #vegantattoo #ohohlele

Uma publicação partilhada por oh-oh, lelê • letícia heger (@ohoh.lele) a Set 21, 2017 às 7:12 PDT

Há planos de levar o #couchlele para além do Brasil e da Europa? Fazer um tour por um período mais longo, além das viagens de dois meses seguidos experimentadas até hoje?

Agora eu vou focar no meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], no qual pretendo montar uma exposição que seja uma janela de divulgação para outros projetos ao redor do mundo com impacto social. Meu objetivo é ajudar a empoderar e inspirar mais pessoas, principalmente jovens e crianças, para que elas se tornem também micro-revolucionários em suas cidades. Depois do trabalho concluído gostaria de visitar os projetos, não sei ainda em quais moldes. Com a pesquisa vou descobrir.

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