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A tanga de crochê usada por Fernando Gabeira na praia de Ipanema deu o que falar no verão carioca de 1980. Recém-chegado do exílio, o ex-militante da luta armada contra a ditadura militar voltava a ser notícia como símbolo da liberdade sexual.
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Seu ímpeto contra as convenções foi além das questões comportamentais. No jornalismo, chefiou redações de jornais importantes quando mal havia completado 20 anos. Na política, como deputado federal, desagradou a esquerda e a direita, algumas vezes ao mesmo tempo.
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Ao retratar um intelectual inquieto, o documentário 'Gabeira', dirigido por Moacyr Góes toma um caminho estético oposto ao temperamento do retratado e decepciona pelo acanhamento formal. Falta inventividade ao filme, composto por trechos de entrevistas com Gabeira e depoimentos de familiares e amigos, além de registros de época.
E vejam só, Nelson Motta está presente. Por que tantos documentários brasileiros, da música à política, do cinema ao jornalismo, recorrem a Motta? Originalidade na escolha dos entrevistados faria bem ao gênero.
Em que pesem as ressalvas, o filme merece ser visto. Para começar, é fascinante a trajetória de Gabeira, da infância rebelde ao reencontro recente com o jornalismo, passando pelas torturas sofridas na prisão em São Paulo e pela adesão às causas ambientais.
O segundo aspecto, mais relevante, é a disposição do biografado de reavaliar crenças e objetivos. O documentário dá a ele a chance de se aprofundar nessas reflexões, o que implica rigor consigo mesmo na aceitação de equívocos.
"Não éramos adeptos da democracia. Achávamos que era um regime frágil", comenta Gabeira sobre seu grupo de esquerda na década de 60. Diz ainda que havia uma "romantização da morte" entre os guerrilheiros.
A respeito de Cuba, onde esteve durante o exílio para treinamento de guerrilha, admite que ele e outros ativistas brasileiros não deram a atenção necessária à repressão aos gays e aos intelectuais pelo regime de Fidel Castro.
O autor do livro "O Que É isso, Companheiro?" está distante dos ideais marxistas, que o guiaram na juventude. "Hoje o sonho é mais modesto, é se distanciar do cinismo sem cair em crenças absurdas".
O timing também favorece o filme. Em 2008, Gabeira, filiado ao PV, ameaçou a hegemonia do PMDB fluminense ao avançar para o segundo turno contra Eduardo Paes na campanha pela prefeitura do Rio. Perdeu por uma diferença de apenas 1,7% dos votos. O grande cabo eleitoral de Paes era o então governador Sérgio Cabral, recém-condenado a 24 anos de prisão.
Gabeira abandonou a política formal, mas se mantém no debate público como jornalista. Seu pensamento se alimenta das contradições, que fazem dele, aos 76 anos, um homem mais interessante, concorde-se ou não com as suas opiniões.
GABEIRA
Direção: Moacyr Góes
Produção: Brasil, 2017, classificação indicativa não encontrada
Quando: estreia nesta quinta (23)
Avaliação: bom