© Foto ilustrativa / Pixabay
Vinicius Loures, 23, saiu cedo de casa para não perder a prova. Nos 40 dias anteriores ao Enem, estudou mais de oito horas por dia, decidido a conquistar uma vaga no curso de medicina. Dessa vez, queria passar do "jeito certo".
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Loures é o jovem branco de Belo Horizonte que se autodeclarou negro e fraudou o sistema de cotas raciais para medicina na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), um dos casos revelados pela Folha em setembro.
Ele frequentou a faculdade por apenas 50 dias. Após ser denunciado por movimentos negros, no final do mês passado desfez a matrícula.
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Antes disso, Loures já tinha se inscrito no Enem, pois desde que iniciou as aulas era preterido e diz que se sentia incomodado. "Eu sabia que estava errado, sentia no olhar de pessoas que não me conheciam e não se aproximavam porque eu era o 'manezão' que burlou as cotas, o sem-caráter", afirma ele, que acredita que o seu caso chamou atenção por ele ser "ex-modelo, loiro do olho azul".
Aos 18 anos, o estudante viajou pela Ásia modelando, antes de ingressar no curso de engenharia civil. Largou os planos dois anos depois. Havia se interessado pela medicina pelo fato de ter descoberto um tumor no cérebro em 2015 durante um check-up realizado após capotar o carro.
"Senti uma gratidão muito grande pela médica que me operou. Foi muito louco. Isso me fez querer que as pessoas sentissem isso por mim", conta Loures à reportagem.
Mas começou mal, diz. Percebeu que provocou decepção e ódio. "De certa forma entendi, porque eu fiz uma coisa erradíssima e isso voltou pesado. Se você é um negro que sofre todas essas situações preconceituosas na sociedade e alguém vai e rouba sua vaga, é algo que, no mínimo, gera raiva."
Ele afirma não concordar com as fraudes e apoia o sistema de cotas. "Acho que tem que ter cotas sim, por isso estou dando essa entrevista."
A desigualdade entre brancos e negros, diz, ele conhecia de maneira geral. "Mas a partir do momento que eu comecei a ocupar o espaço de um negro, passei a perceber essa discrepância de forma muito mais nítida."
E explica: "Assim, na faculdade, os negros não chegam a 5%; na academia, que nem é dessas 'topzeira', a maioria é branca, as pessoas negras são a faxineira, o segurança".
Ao se desligar da UFMG, ele diz que viu uma catadora de latinhas negra na rua e se questionou se o filho dela teria condições de fazer medicina. "Fiquei me vendo ocupando o lugar de uma pessoa assim, me fez muito mal, mas esse é um peso que eu não tenho mais que carregar", disse o jovem com o olhar distante, que foi ficando vermelho e cheio d'água.
Filho único, Loures sempre estudou em colégios particulares, exceto no ensino médio, cursado no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas (Cefet-MG), que o possibilita não disputar uma vaga na universidade por ampla concorrência, mas na categoria de estudantes oriundos de escolas públicas.
No entanto, com a nota (772) que ele tirou no Enem do ano passado, ficaria faltando quatro pontos, conforme os cálculos dele, para conseguir entrar pelo seu subgrupo em medicina na UFMG.
A instituição tem quatro categorias diferentes que distinguem os cotistas por renda, rede de ensino e raça.
Loures viu que se concorresse entre candidatos autodeclarados negros, pardos ou indígena conseguiria entrar com a nota obtida.
"Não parei para pensar nas consequências do ato em si, agi no impulso, não queria voltar para o cursinho nem ir para uma universidade fora de Belo Horizonte", explica.
Neste Enem, teve ótimo desempenho na prova e na redação, conta. Acertou 12 questões a mais que em 2016. Loures acredita que deve atingir uma nota capaz de entrar em diferentes universidades do país.
Agora, está disposto a mudar de cidade para se formar médico. A UFMG não é mais uma preferência.
"Acho que superei essa história. Recebi mensagem de estudantes negros apoiando a minha decisão [de sair da vaga], mas é uma parada que vai ficar marcada." Com informações da Folhapress.