Papa admite casos de pedofilia e os chama de 'vergonha'

A Organização das Nações Unidas (ONU) acusou o Vaticano de manter um "sistema de ocultação" de crimes sexuais contra crianças, de não colaborar com a Justiça, de promover a impunidade e pede que a Santa Sé revele qual a dimensão dos casos envolvendo padres pelo mundo. Nesta quinta-feira, 16, o papa Francisco enfrentou seu primeiro grande teste internacional ao ser examinado pelas Nações Unidas em Genebra durante seis horas sobre o que tem feito para proteger crianças contra abusos sexuais.

© Reuters

Mundo Francisco 16/01/14 POR Agencia Estado

A sabatina de representantes da Santa Sé já estava programa há meses e foi a primeira em mais de uma década. Enquanto a reunião ocorria em Genebra, o papa Francisco, de Roma, usava sua homilia para admitir a culpa da Igreja. O argentino, porém, não usou a palavra "pedofilia". A delegação do Vaticano adotou um tom de transparência e reconhecimento de que precisa mudar a forma de atuar. A Santa Sé admitiu que os crimes foram cometidos pelo clero e que "nada os justifica". O Vaticano também garantiu que não toleraria que casos fossem encobertos para proteger os religiosos.

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"Tantos escândalos que eu não quero mencionar isoladamente, mas que todos sabemos quais... Escândalos, nos quais alguns tiveram que pagar caro: E está bem! Se deve fazer assim... A vergonha da Igreja! ", disse, em Roma, o papa Francisco, em referência à indenização que a Igreja pagou nos EUA. "Mas nos envergonhamos desses escândalos, dessas derrotas de padres, bispos, laicos?"

Ainda assim, a atitude foi considerada como insuficiente tanto por parte da ONU quanto por parte de ONGs e vítimas da Espanha, Polônia e EUA que lotavam a sala das Nações Unidas em Genebra. A principal queixa da ONU se refere ao fato de que o Vaticano insistiu no exame desta quinta que não liberaria dados sobre o número de padres punidos e que, cada vez que um caso era citado, se protegia no fato de que a punição cabe aos Estados onde os suspeitos estariam atuando.

Sara Oviedo Fierro, relatora da ONU, foi uma das que lideraram o questionamento. Segundo ela, a Igreja mantém 200 mil escolas pelo mundo, com 50 milhões de alunos. "Quantas pessoas foram consideradas culpadas? Quantos padres foram entregues para a Justiça?", cobrou.

Sara Fierro apontou que sanções adotadas pelo Vaticano são vistas como não sendo da mesma magnitude do crime e que o "interesse do clero parece ser mais importante do que o interesse da criança". "Existe um sistema de ocultação dos crimes", afirmou. A relatora ainda acusa o Vaticano de não estar divulgando os números reais do problema. "Vocês sabem o número de casos. Por que não difundir?"

Para Kirsten Sandberg, presidente do Comitê da ONU de Proteção às Crianças, a falta de punição no Vaticano impera. "A maioria dos padres tem se beneficiado da impunidade", acusou. "As leis canônicas impõem o silêncio sobre as vítimas e existem inúmeros casos nos quais a Santa Sé se recusou a colaborar com a Justiça local", completou. Para ela, apenas a transparência nos casos pode permitir que novos crimes sejam impedidos.

"Vocês não podem lavar as mãos", disse aos religiosos. "Suas respostas não são claras sobre como vocês pensam em prevenir novos casos. A melhor forma de resolver essa situação é remover esses suspeitos de seus cargos e punir os anteriores. Colocar de baixo do tapete não é a solução."

Hiranthi Wijemanne, outra relatora da ONU responsável pelo exame, foi direta na cobrança. "Por que houve a proteção aos autores dos crimes?", acusou. A ONU pediu nesta quinta que o Vaticano entregue detalhes de todos os casos conhecidos de abusos sexuais contra crianças. Mas a Santa Sé uma vez mais desapontou a entidade e alegou que é responsável pela implementação do tratado de proteção a menores apenas dentro do seu território, a Cidade do Vaticano, onde vivem 31 crianças.

O bispo Charles Scicluna, promotor da Congregação para a Doutrina da Fé, isentou o Vaticano de qualquer responsabilidade. "Não podemos impor jurisdição além do Vaticano. Não são funcionários do Vaticano. São cidadãos de seus Estados e atendem a essas leis. Não é obrigação dar. É dos Estados."

Nova Atitude

Ainda assim, num esforço para mostrar que não estava sendo cúmplice com os criminosos, Silvano Tomasi, núncio do Vaticano na ONU, negou que o Vaticano esteja escondendo dados. Segundo ele, desde 2006, a Santa Sé publica o número de casos de abusos sexuais que chegaram até a Igreja. "Em 2012, temos informação sobre 612 casos de abusos sexuais, dos quais 418 deles envolvem crianças", declarou.

Entre 2006 e 2012, o Vaticano confirma que recebeu mais de 3 mil casos de abusos sexuais cometidos pelo clero. Mas não informa quantos foram punidos e nem se os responsáveis foram impedidos de praticar suas missões religiosas. O Vaticano, porém, admite que não publica o número final de casos de pessoas que tenham sido punidas ou colocadas na prisão. "O processo não é público", declarou.

Tomasi alagou que a Santa Sé tem modificado suas leis e, nos últimos meses, abriu um processo contra um funcionário por abusos sexuais contra crianças fora do território da Cidade do Vaticano. "Não há desculpas. Esses crimes não têm justificativa nas estruturas da Igreja", insistiu. "Os abusos são cometidos pelo clero e outros funcionários da Igreja. Isso é muito sério, porque estão em posição de confiança e devem proteger a criança", disse.

OMS

Usando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o núncio do Vaticano indicou que 150 milhões de meninas pelo mundo são alvo de abusos sexuais em diferentes instâncias da sociedade, além de 73 milhões de garotos, numa tentativa de mostrar que o problema não é apenas da Igreja.

Ativista e vítima de abusos sexuais, Miguel Hurtado também contestou a avaliação do Vaticano: "Os dados estão escondidos. O Vaticano concentra todos esses dados. Publicá-los seria uma forma de prevenir novos casos". Barbara Blain, líder da rede de vitimas dos EUA e também abusada por padres em Ohio, alertou que a resposta não foi satisfatória. "Se eles querem mudar, tem de dizer quantos padres foram punidos", declarou. "Se isso não mudar, não podemos dizer que algo mudou na Igreja", completou a americana, que acusou os líderes religiosos de sua região de ter ameaçado seus pais quando ela fez a primeira denúncia há 25 anos.

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