© Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em evento do Dia Internacional de Combate à Corrupção, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, citou a Operação Lava Jato, criticou as "lutas corporativas fratricidas" e disse compreender as "desconfianças e dúvidas" que pairam sobre sua gestão, ao mesmo tempo em que reafirmou seu compromisso de combater a corrupção.
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"Nestes dois meses e meio de mandato, tenho ouvido preocupações sinceras sobre o efetivo compromisso do Ministério Público, em minha gestão, contra a corrupção. São indagações autênticas, verdadeiras e coerentes, algumas carregadas de desconfianças e dúvidas que são em tudo compatíveis com a leitura crítica da história brasileira, marcada por ondas sucessivas de avanços e retrocessos no enfrentamento da corrupção", disse Dodge nesta segunda-feira (4).
"Por isso, considero importante dizer a todos que algumas razões presidem minha firme atitude contra a corrupção. A primeira relaciona-se com a desigualdade social e a falta de oportunidade para os brasileiros, notadamente os mais pobres, mais humildes e mais discriminados", afirmou.
"A segunda razão relaciona-se com ineficiência na gestão da coisa pública. Muitos programas prometem resolver problemas crônicos, como a falta de acesso a água potável, melhorar a qualidade da educação, garantir moradia, alimentação adequada e saúde para todos. Cada programa reaviva esperanças e estimula recomeços. A cada vez que não cumprem o que prometem, diminuem a confiança e a esperança das pessoas nas instituições e no país. Um ambiente de incerteza, insegurança e ineficiência leva ao descaso com a coisa pública e com o bem comum."
A questão da eficiência no sistema de administração da Justiça tem sido um dos focos da PGR, nas palavras de membros da equipe. Como a Folha noticiou neste domingo (3), Dodge pediu ao STF, em pouco mais de dois meses no cargo, 24 arquivamentos de inquéritos, a maioria por prescrição dos crimes e falta de provas. Nos pedidos de arquivamento, ela apontou ineficiência nas investigações tocadas por seu antecessor, Rodrigo Janot.
"A terceira razão", prosseguiu Dodge, "consiste na importância da integridade no trato da coisa pública. A separação entre a coisa pública e a privada é uma das principais instituições da civilização moderna. Os recursos públicos, frutos de impostos, devem estar a serviço de todos."
A procuradora-geral não mencionou nenhuma investigação específica envolvendo políticos, mas fez menção indireta ao episódio do "bunker" atribuído ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) que escondia R$ 51 milhões em Salvador.
"Algumas quadrilhas foram desbaratadas, mas muitas continuam a agir com desfaçatez, à luz do dia e em conluios que não escapam a registros, a câmeras de vídeo e a colaborações. Outras escondem quantias milionárias, às vezes de modo tão petulante e displicente que nos dão a certeza de que não temem a punição", disse.
LAVA JATO
Desde que assumiu, em 18 de setembro, Dodge vinha evitando destacar a Operação Lava Jato em seus discursos. Ela vinha destacando de modo genérico o combate à corrupção, ao mesmo tempo em que dava ênfase na defesa dos direitos humanos e das minorias -bandeira que deseja tornar sua marca na PGR.
"Nos últimos anos, o Ministério Público brasileiro tem enfrentado a corrupção com muita persistência. O mensalão e a Lava Jato são marcos exitosos dessa empreitada. Há um longo caminho pela frente, a exigir comedimento e temperança, firmeza e foco, além de conhecimento das práticas ilícitas, para que, em vez de nos engajarmos em lutas corporativas fratricidas ou em debates laterais, sigamos na busca pela reparação do dano, pela devolução do dinheiro desviado e pela punição dos infratores, que é o que realmente interessa", disse.
Nomeada pelo presidente Michel Temer após ficar em segundo lugar na lista tríplice eleita pela categoria, Dodge assumiu sob olhares de desconfiança. Ela era vista na instituição como adversária de Janot, que investigou e denunciou Temer ao Supremo. Desde que tomou posse, Dodge evita fazer comentários diretos sobre seu antecessor.
A procuradora-geral disse que recebeu de Janot um grande acervo de processos e documentos -cerca de 600 procedimentos criminais extrajudiciais fora da Operação Lava Jato, por exemplo-, mas já identificou as prioridades e está atuando em casos que estavam parados.
Segundo Dodge, também foram identificadas ações penais que têm condenações e estão pendentes de julgamento final. "Solicitei prioridade no julgamento ao STF", afirmou.
"Tenho mantido reuniões frequentes com integrantes das diversas forças-tarefas da Lava Jato, de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, inclusive a que me auxilia nos processos que tramitam no STF e no STJ. Estabeleci rotinas para análise de pedidos de colaboração premiada, buscando preservar o efetivo sigilo e garantir a efetividade dos resultados deste valioso e recente instrumento de investigação criminal, para preservar a identidade das partes envolvidas e o bom êxito das investigações", disse.
O Dia Internacional do Combate à Corrupção é comemorado no próximo sábado (9). A data rememora a assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em Mérida, no México, realizada em 9 de dezembro de 2003.
Também participaram do evento, na sede da PGR, os ministros Wagner Rosário (Transparência) e Grace Mendonça (Advocacia-Geral da União), o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Raimundo Carreiro, procuradores dos ministérios públicos estaduais, representantes da sociedade civil e outras autoridades. Com informações da Folhapress.