Carminho canta Tom Jobim em São Paulo neste sábado

Em entrevista exclusiva, cantora portuguesa fala sobre o desafio de imprimir o seu tom à obra de Jobim e sobre as parcerias construídas com grandes estrelas da MPB

© Divulgação

Cultura Entrevista 16/12/17 POR MARINA MAGALHÂES

Tom Jobim, quando criou as suas peças de bossa nova, talvez não tenha imaginado tais composições com sotaque lusitano. Mas seu filho, Paulo Jobim, sim. Duas décadas após a morte de um dos maiores nomes da MPB, o músico convidou Carminho, uma das vozes mais expressivas da música portuguesa contemporânea, para gravar um projeto em homenagem ao artista.

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“Carminho canta Tom Jobim” virou disco. Depois, turnê internacional pelas maiores casas de espetáculo da Europa (Áustria, Suíça, Alemanha, Inglaterra e Portugal). Agora, cruza o Atlântico e desembarca no Brasil para quatro apresentações neste mês de dezembro: em Petrópolis (sábado, dia 9), Brasília (10), Rio de Janeiro (14) e São Paulo (16).

Nascida em meio às guitarras e vozes do fado, a filha da fadista Teresa Siqueira lançou o seu primeiro disco apenas em 2009, batizado – não casualmente – de “Fado”. Com 33 anos, tornou-se uma espécie de embaixadora do gênero e já arrebatou dois Globos de Ouro. Um deles é fruto do álbum que traz ao Brasil, acompanhada pelos músicos da Banda Nova: Jaques Morelenbaum (violoncelo), Paulo Braga (bateria), além de Paulo Jobim (violão) e Daniel Jobim (piano), filho e neto do homenageado.

A nova voz de Portugal, apresentada ao país por artistas como Milton Nascimento, foi entrevistada pelo Notícias ao Minuto Brasil. Carminho falou sobre o desafio de imprimir o seu tom à obra de Jobim. Comentou as parcerias construídas com grandes estrelas tropicais, de Chico Buarque e Nana Caymmi - inspiração do seu estilo dramático - aos Tribalistas. E ainda avaliou a inversão da rota musical entre Portugal e Brasil, que cada vez mais se rende aos encantos sonoros da terra de Amália Rodrigues.

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 Qual foi o critério adotado para selecionar canções de um repertório tão vasto como o de Tom Jobim?

Quando o Paulinho Jobim me deu a obra conjunta tive que estabelecer alguns critérios para poder escolher. Um deles foi ver em quais músicas as interpretações poderiam ficar mais parecidas com a forma que eu canto. Isto foi muito importante para que eu não trouxesse algumas palavras que naturalmente não utilizo, expressões verbais apenas utilizadas por brasileiros. Não era uma fuga ao sotaque brasileiro, mas sim uma procura por naturalidade, pela entrega mais profunda à interpretação, por isso o português escrito com o meu sotaque era importante.

Depois também busquei uma diversidade de parcerias, para que não fosse tudo com os mesmos poetas a escreverem e a comporem ao lado do Tom. Havia muita opção por onde escolher como Chico [Buarque], Vinícius [de Moraes], Dolores Duran, Newton Mendonça... o próprio Tom Jobim sozinho, que escreveu de forma parecida com o português que eu naturalmente falo. Além, claro, do critério do meu gosto pessoal e da minha identificação.

Você  ponderou aceitar o convite de Paulo Jobim, filho do Tom, pelo fato de o artista já ter sido gravado por muita gente. O que lhe fez aceitar?

Isso foi um processo interior meu, eu não hesitei, não disse a ele que não gravaria e depois voltei atrás para gravar. Não foi uma decisão impulsiva, tomada somente porque é muito tentadora, precisei pensar se fazia sentido, se eu iria acrescentar alguma coisa pertinente ou não, ou se seria só mais um disco. Era uma grande responsabilidade interpretar Tom Jobim, visto que não só as canções são muito fortes e importantes, mas também já houve muita gente a fazê-lo muito bem feito. Portanto, fiz uma ponderação pessoal, interior, artística, de mim para mim.

O que acredita ter trazido de novo nessa repaginação da obra do músico?

O fato de eu cantar no meu sotaque português e na minha linguagem, tentar ser eu própria nas interpretações, pode dar algo de meu nesse processo. Mas acho que não cabe a mim avaliar isso (risos).

"Carminho canta Tom Jobim" traz parcerias com artistas consagrados do Brasil (Maria Bethânia, Chico Buarque, Marisa Monte), assim como o seu álbum anterior, "Alma" (Chico Buarque, Nana Caymmi, Milton Nascimento). Além do seu incontestável talento, como conseguiu construir alianças com a nata da música brasileira?

Não sei, foi acontecendo naturalmente. Foram oportunidades, outros encontros. As coisas podem até começar, mas fazer perdurar no tempo depende de uma empatia artística, musical, pessoal que as pessoas têm umas com as outras, de se identificar com aquilo que os outros fazem.

Para mim é uma honra estar ao lado deles e sentir que eles me querem ao seu lado também. Isso me alimenta, me motiva. São pessoas com quem eu já aprendi muito sobre a música brasileira, mas há coisas muito profundas da vida que se vai aprendendo quando se convive com pessoas tão especiais e experientes como elas são.

 

Marisa Monte e Arnaldo Antunes escreveram para você "Chuva no Mar". Agora você entra para a tribo dos Tribalistas com mais duas canções do trio (formado também por Carlinhos Brown). Como você se vê nessa tribo em meio a tantos elementos característicos da música brasileira?

Fico muito feliz, tem a ver com a nossa amizade, com a naturalidade com que as coisas foram acontecendo. No caso, não foi propositado, nem a música "Chuva no mar", nem essas composições em parceria. Simplesmente nós costumamos cantar juntos, no estúdio, em casa, em shows, camarins, quartos de hotel... Todos nos juntamos e apresentamos coisas novas que temos, partilhamos ideias que surgem. De repente, surgiram essas canções e fiquei feliz deles inclui-las no disco dos Tribalistas e de cantar com eles. Eles foram muito importantes na minha formação musical. Ouvia muito na minha juventude, 15 anos atrás, o disco de lançamento [dos Tribalistas], que foi muito importante aqui em Portugal. Melhor ainda, para mim, é a amizade que tenho com eles e o desejo que essa amizade perdure.

Nana Caymmi é apontada como uma grande referência no seu temperamento dramático para cantar. Como teve o  primeiro contato com a obra da cantora, com quem chegou a gravar "Contrato de separação" logo no seu segundo disco, "Alma" (2012)?

As músicas brasileiras são como as cerejas, nós vamos descobrindo ouvindo discos, aqui e ali, das intérpretes que vão aparecendo. Não me recordo quando ouvi a Nana pela primeira vez, sei que ela me marcou, que tentei procurar melhor o trabalho dela e que isso foi muito importante na minha formação. Acho ela uma das intérpretes mais incríveis da língua portuguesa. A influência tem a ver com as palavras, a energia com a entrega. Ela não tem meio termo, entrega-se completamente âs canções e interpretações, cantando como se contasse uma história que fosse dela. Nós acreditamos que a história é dela e isso é muito bonito e envolvente.

Após a projeção da fadista Amália Rodrigues houve um grande hiato da música portuguesa no nosso país. Hoje, vemos uma nova geração de portugueses abrir esse espaço, como você, Mariza, Teresa Salgueiro (ex-Madredeus), Antônio Zambujo, Ana Moura... A que você atribui esse movimento transatlântico musical, de Portugal até o Brasil, depois de um longo período de fluxo contrário?

É uma pergunta difícil. São momentos sociais, econômicos, artísticos. São os próprios artistas que fazem uma diferença, por alguma razão. É o fato das pessoas olharem para o fado e para Portugal com outro olhar... Sinceramente, não sei explicar.

Milton Nascimento foi um dos seus "padrinhos musicais" no Brasil. Qual a importância dele na sua carreira por aqui?

O Milton é um ser iluminado, foi a pessoa que me deu muita força e muitos ensinamentos. Cantar as músicas do Milton é uma escola muito grande. Ele foi o primeiro que me convidou a partilhar o palco em shows, gravou comigo no meu disco. Eu sinto que ele gosta de estar ao lado das pessoas mais novas... É muita generosidade e abertura para outras linguagens.

Você é filha de fadista, nasceu no berço do fado, mas demorou a se lançar como cantora, mesmo tendo convites para gravar. Fez faculdade, ganhou o mundo em projetos humanitários... De que forma essas experiências contribuíram para o amadurecimento do seu trabalho?

É vivendo experiências que nós podemos ter matéria-prima para olhar o mundo. E só conhecendo o mundo é que nós podemos interpretá-lo, escolher poemas que falem sobre a nossa vida. Se não vivermos nada, poucos serão os que chegarão até nós e nos dirão alguma coisa. Mas se procurarmos conhecer outras pessoas, outras formas de amar, de viver, aceitar as diferenças e conhecê-las como algo melhor para o mundo e não como algo que faz conflitos... acho que podemos nos dar de forma mais intensa e mais pura a toda gente.

Não podemos nos fechar no mundo que nós precisamos saber por inteiro e saber tudo. Quanto mais se sabe, menos se sabe. Essa procura nunca mais vai terminar. Nessas viagens há muitos mundos, muita alegria e muito conhecimento sobre os seres humanos. Na verdade o grande mentor e a grande matéria-prima do fado são os seres humanos, são as emoções.

E quais são os planos depois desta turnê terminar?

Já estou a pensar num novo disco, mas preciso descansar. Preciso pensar com muita calma, tranquilidade, para que as coisas não se sobreponham. É preciso ter um certo distanciamento também, para apreciar aquilo que se fez e perceber o que se aprendeu.

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