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Na entrada da uma das maiores livrarias de Londres, na região de Piccadilly, os best-sellers que iriam virar presente de Natal disputavam espaço com mais de uma dezena de obras que tentam explicar um tema mais sério, espinhoso e bem menos divertido, mas que prende a atenção dos britânicos como nenhum outro: o "brexit".
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O plebiscito que definiu que o Reino Unido sairia da União Europeia aconteceu em junho de 2016, mas o divórcio político e econômico se consolidou como tema mais importante para os britânicos ao longo de 2017, ano de negociações com o bloco europeu, e virou uma obsessão nacional.
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O "divórcio" monopoliza atenções e deixa britânicos em compasso de espera. Um ano e meio depois da votação, o Reino Unido continua com indefinições não só em relação à separação em si, mas sobre toda a realidade futura do país. Enquanto isso, inflação, problemas econômicos, investimentos, políticas contra o aumento da violência e da desigualdade, tudo parece esperar uma resolução.
"O 'brexit' consumiu a política britânica", afirmou à reportagem Tim Oliver, pesquisador da Universidade Europeia em Florença, do think tank LSE Ideas e da consultoria Brexit Analytics.
"A política britânica está obcecada com esse tema. O resto da União Europeia conseguiu isolar o 'brexit' como uma questão secundária, mas, para o Reino Unido, esse é o único assunto. Ele afeta muito a vida britânica e se consolida como algo que define o que o Reino Unido quer ser no futuro", disse.
Em sua avaliação, o problema é que o país não está debatendo o próprio futuro e pensa apenas nas disputas em torno do elo entre Londres e UE. "Isso é importante, mas até que o Reino Unido tenha uma ideia de que país quer ser –aberto ou fechado, com livre mercado ou protecionista, com poder centralizado ou não–, o novo relacionamento é uma distração."
O assunto domina tanto a atenção dos britânicos que, em pouco mais de um ano, mais de 40 livros sobre o "brexit" foram escritos –e o próprio Oliver, autor de uma das obras, desenvolveu uma "bibliografia" listando 47 títulos sobre a saída britânica da União Europeia.
Na academia, o tema também predomina, com centros voltados a pesquisas sobre o impacto da decisão de 2016 –isso apesar de a opinião de acadêmicos sobre o "brexit" ter sido motivo de polêmica e tentativa de censura por parte do governo.
REFUNDAÇÃO
Segundo Oliver, a obsessão em torno da separação gera problemas políticos e econômicos para o país. Ao longo de todo o ano de 2017, disse ele, o debate apenas reagiu aos acontecimentos à medida que eles se produziam, raramente olhando para o futuro ou sinalizando qualquer grau de controle ou estratégia por parte do Reino Unido.
Para o pesquisador, o país, que passa por uma refundação, deveria estar discutindo o que está por vir.Segundo o cientista político Simon Usherwood, da Universidade de Surrey, o problema é que o governo da primeira-ministra conservadora, Theresa May, não tem a capacidade de lidar com nada além do "brexit".
"May reconhece que existem outras questões, o que contribuiu em parte para a falta de foco nas negociações da 'brexit'. Embora seja possível viver com esse desequilíbrio por um curto período de tempo, está claro que, uma vez que o calor do 'brexit' diminuir, dentro de alguns anos, o governo terá um importante programa com que terá que lidar", disse à Folha.
Autor do livro "Understanding Brexit" (entendendo o "brexit"), que deve ser lançado em 2018, Oliver diz que, apesar do foco por vezes equivocado, o divórcio da UE de fato vai além do simples debate político e faz o Reino Unido se deparar com uma série de questões.
Segundo o pesquisador, temas como identidade, sociedade, economia política, comércio, segurança, posição internacional, Constituição, sistema jurídico, soberania, unidade, política partidária e as atitudes e valores que a definem devem se tornar o centro da atenção do debate.
"'Brexit' é o tema mais importante e controverso da política britânica moderna. É um ponto de mudança que pode transformar profundamente o Reino Unido", disse. Com informações da Folhapress.