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O escritor António Lobo Antunes disse nesta terça-feira (06) que continua a se espantar com o mundo e a caminhar de mistério em mistério, para os quais procura dar respostas através dos livros. O autor de 'As travessuras da menina má' esteve presente em um evento em Lisboa, Portugal, chamado 'Escritores no Palácio de Belém'.
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"Continuo caminhando de mistério em mistério, e os livros são uma forma de responder a cada um desses mistérios", disse o autor, que em seguida citou "o grande escritor" espanhol Federico García Lorca: "Só os mistérios nos fazem viver".
Em uma conversa marcada por memórias da infância e várias referências literárias, Lobo Antunes afirmou que, "quando deixamos de nos espantar, é que passamos a ser velhos", e acrescentou que continua hoje a se espantar com o mundo.
"Morre-se com a necessidade de se saber tanta coisa", disse.
No diálogo com os alunos das Oficinas de S. José-Salesianos, em Lisboa, o escritor recordou a sua infância, "em uma família tribal", que vivia entre uma quinta em Benfica, na capital, e a quinta do avô, na Beira Alta.
Quando aprendeu a ler com a mãe, com três ou quatro anos, logo as "letras/sinais" se apresentaram para ele "como pessoas e vozes" e a ter uma inquietude por conhecer mais.
"Cada vez que aprendia qualquer coisa, me surgiam novas perguntas", disse o autor de 75 anos.
A leitura que fazia dos jornais, que circulavam pela casa, iniciava-a pela necrologia. O seu avô, aliás, comentava em voz alta os obituários e considerava - contou-o hoje o seu neto -, que "era uma questão de mau gosto".
Todavia, para o menino Lobo Antunes, "morrer era afastar-se" do convívio, "ficar de olhos fechados", mas "iam ficando os mistérios": "Onde é que eles [os mortos] estariam?".
"Não há talentos, há bois, pessoas que marram as vezes necessárias"
A decisão de ser escritor teria sido precoce, quando, aos cinco anos, apresentou em uma folha, à sua mãe, o primeiro romance.
Na realidade, um livro é quando o seu autor quiser, mesmo que este seja "uma coisa estranha", como justificou em seguida: "Eu estou escrevendo aquilo que o livro quer que se escreva, e o livro não existe ainda, só vai existindo aos pouquinhos".
Para o autor "escrever é conversar com vozes", entre elas, a sua voz interior. "Não vejo pessoas, ouço vozes", disse.
Sobre a escrita, Lobo Antunes disse que "é sobretudo uma questão de trabalho", "um ofício de paciência".
"Não há talentos, há bois, pessoas que marram as vezes necessárias", disse, para referir que "escrever é emendar, emendar, emendar e emendar...". E, para se começar a escrever, não se deve pedir conselhos a ninguém, pois assim se escreveria na perspectiva daquele a quem se pediu conselho, e transportar a sua visão do mundo.
"Há que escrever [tanto] até as palavras nos pertencerem", insistiu o autor.
Lobo Antunes disse que continua a escrever à mão, e não gosta de usar computadores, pois "escrever no computador é como fazer amor com preservativo".
A infância justificou a opção pela escrita, pois, a dado momento, percebeu que ia ficar sem mistérios, e perguntou: "Como vou manter essa magia?", e entrou então "numa vida de mistérios" aos quais procura dar resposta através dos livros.
Para o autor, com um livro "nunca se está só". E recordou os tempos de leitura, quando estudava no Liceu Camões, em Lisboa, e acreditava que os autores escreviam só para ele, pois nos seus livros encontrava eco dos seus anseios.
Lobo Antunes recordou também um episódio de assédio, por um professor, quando, na aula, falavam do templo de Salomão. O professor apalpou os seus joelhos e "subiu pelos calções". Mais tarde o questionou sobre um assunto de foro íntimo que não entendeu, e que o levou a perguntar ao pai do que se tratava, dias mais tarde. Sem responder, o pai saiu da sala e "só se ouviu o carro partir".
O professor, contou hoje Lobo Antunes, esteve dois meses sem lecionar e, quando regressou, deixou de dar aulas à sua turma. "A coisa se resolveu assim", disse o escritor, para quem se deve "aceitar as coisas tal como elas são". Com informações da Lusa.