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Um incêndio em um barraco da zona sul de São Paulo onde dormiam sete crianças no mesmo cômodo terminou com duas delas carbonizadas -com idades de 1 e 5 anos- e um clima de tragédia sem fim.
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Surpreendidos pelo fogo durante a madrugada, familiares e amigos das vítimas dizem que a tentativa de combate ao fogo foi dificultada pela falta de água na região, em uma favela no Parque Jabaquara, próximo à avenida Jornalista Roberto Marinho.
A área vem sofrendo com a interrupção de fornecimento pela Sabesp das 23h às 6h, segundo vizinhos, que tentaram atacar as labaredas, mas não foram bem-sucedidos. "As torneiras estavam todas secas", disse a mãe das duas vítimas, a dona de casa Gabriela Lucília da Silva, 33.
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Após a tragédia, funcionários do IML (Instituto Médico Legal) disseram aos familiares que não poderiam reconhecer os corpos das duas crianças nesta terça-feira (13) -e que a liberação só se daria na próxima quinta (15).
Isso porque a família precisaria apresentar certidões de nascimento das crianças, destruídas no incêndio, mas os cartórios só estarão abertos na tarde desta quarta-feira (14) devido ao Carnaval.
"Se eu não apresentar as certidões, eles vão enterrar as duas como indigentes", queixava-se a mãe durante a tarde, em meio à dificuldades dos trâmites burocráticos após a perda de duas filhas.
No começo da noite desta terça (13), após a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) ser questionada sobre o assunto, Gabriela recebeu telefonema de funcionários do IML informando que os corpos seriam liberados.
VOLTOU PARA AJUDAR
Gabriela conta que a tragédia ocorreu por volta das 3h, quando ela e os filhos dormiam juntos no mesmo lugar -eles foram dormir às 23h.
O filho mais velho, Yago, 12, foi quem primeiro percebeu os sinais do incêndio. Os fios elétricos do teto começaram a pegar fogo e houve derretimento do plástico -que caiu no chão e nos colchões.
"Meu filho me chamou: 'Mãe está pegando fogo'. Aí, eu acordei, e chamei todas as minhas filhas para fora."
Além de Gabriela e seus sete filhos, também dormia no barraco a avó dela, dona Lucília, de 87 anos, que precisou ser resgatada por Gabriela em razão de deficiência física.
"Quando tentei voltar para tirar a Safira, meu bebê, o fogo tomou conta de tudo."
A dona de casa diz ainda que, na tentativa de tirar Safira, 1, não percebeu que outra filha, Kamille Vitória, 5, entrou atrás dela no barraco para tentar ajudar no resgate.
"Eu tinha colocado ela para fora, mas ela voltou para dentro para me ajudar."
Não se sabe como a menina se perdeu no barraco, mas, naquele momento, conta a mãe, havia muita fumaça preta, além de calor intenso. A casa tinha apenas uma porta de acesso pela frente, já que os fundos dela dão para um córrego que passa por ali.
Os vizinhos dizem que a fumaça preta podia ser vista a quilômetros do barraco.
A morte da segunda filha só foi percebida por Gabriela por volta das 9h, quando retornou da delegacia -após prestar esclarecimentos do ocorrido.
Sem conseguir encontrá-la entre os filhos sobreviventes, ela pediu ajuda a vizinhos e policiais ainda no local para tentar localizá-la.
"Pra mim, ela estava ali, viva. Só que eu não estava achando na casa de ninguém. Aí, a polícia disse que iria fazer mais uma busca [nos destroços do barraco.] Foi quando eles encontraram ela."
PARA ONDE
A mãe das meninas mortas conversou com a reportagem no começo da tarde desta terça (13). Ela estava sentada na caixa de concreto de um medidor de água, cercada por amigas, a poucos metros do local onde existia sua casa.
"Não sei para onde vou", disse ela, que mora na região há cerca de 30 anos.
Amigos e vizinhos removiam os restos dos destroços do barraco para, segundo eles, tentar reconstruir ali uma nova casa para família.
Ela disse que já enfrentou outros incêndios em barracos, assim como seus vizinhos da comunidade, mas nunca uma tragédia assim. "Espero ser a primeiro e última vez", disse.
Naquele momento, os filhos estavam na casa do pai -que mora em outro barraco, também nessa mesma região, conhecida pelos moradores como Beira-Rio. A comunidade, com boa parte das casas de alvenaria, já tinha histórico de outros incêndios.
Até as primeiras horas da noite, segundo Gabriela e os amigos, nenhum órgão do município ou do Estado havia aparecido para ajudá-la com apoio social ou psicológico. O mais perto disso foram colchões, uma cesta básica e dois kits higiene deixados no local por agentes da Defesa Civil.
Os agentes estiveram na região durante a madrugada, mas não chegaram a falar com a mãe das vítimas. Gabriela elogiou, no entanto, policiais civis que a transportaram num carro oficial e "deram até remédio para eu acalmar".
Questionada pela reportagem, a gestão João Doria (PSDB) não se manifestou até as 21h desta terça.
A Sabesp, em nota, disse que não faz racionamento de água, mas, reduz a pressão durante determinados horários. Com informações da Folhapress.