Automodificação genética é inevitável, afirma biohacker

"É ilusório achar que uma tecnologia relativamente fácil de usar como essa ficará restrita aos laboratórios e grandes empresas", diz Josiah Zayner

© Pixabay

Tech Debate 24/02/18 POR Folhapress

Josiah Zayner ri quando pergunto se nenhum tentáculo brotou do seu braço nos últimos meses. Não, tudo normal, diz ele -embora o bioquímico de 37 anos tenha injetado uma ferramenta molecular de modificação genética no antebraço esquerdo na frente de um auditório lotado em outubro de 2017, em San Francisco.

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Não é a primeira vez que Zayner transforma a engenharia genética em algo similar ao entretenimento. Desta vez, porém, ele resolveu usar a ferramenta da moda entre os biólogos moleculares, a Crispr (pronuncia-se "crísper"), um método de edição do DNA bem mais preciso que os disponíveis anteriormente. A injeção fez com que ao menos algumas células do braço "desligassem" o gene da miostatina, que diminui o crescimento dos músculos.

No momento, instituições de pesquisa americanas como o MIT e a Universidade da Califórnia ainda disputam os direitos de explorar comercialmente as aplicações da Crispr, mas, por não ter fins comerciais, o autoexperimento não violou patentes –nem leis, porque a agência regulatória americana FDA não proíbe experiências na qual a pessoa é cobaia de si mesma.

Por meio de sua empresa, chamada "The Odin", ele diz que seu objetivo é democratizar a engenharia genética. E sentencia: é ilusório achar que uma tecnologia relativamente fácil de usar como essa ficará restrita aos laboratórios e grandes empresas.

Pergunta - Por que se tornar um biohacker que faz experimentos com o próprio corpo?

Josiah Zayner - Acho que a possibilidade de as pessoas terem acesso ao conhecimento e aos recursos necessários para usá-lo melhora muito a maneira como elas experimentam a vida.

A gente vê por aí tanta gente lutando com seus problemas, sem esperança. Mesmo na era da medicina moderna, muita gente está nesse mesmo barco, seja por não contar com tratamentos que possam curar as doenças delas, seja por falta de acesso ao básico da saúde e da alimentação. Eu vejo o biohacking como uma forma de oferecer possibilidades às pessoas que precisam delas, como uma forma de as pessoas aprenderem a ajudar a si mesmas.

E como está o seu braço?

- Nenhuma repercussão séria por enquanto (risos). Fiz alguns testes no DNA de amostras da região injetada, mas eles foram bem inconclusivos –parece que houve mudanças tanto nas células afetadas pela Crispr quanto nas que não foram afetadas, o que não é um ideal de experimento controlado (risos). Na verdade, é o esperado –foi uma pequena injeção, com efeito localizado, talvez o suficiente para modificar as células de uma área do tamanho de uma moedinha, não seria realista achar que aconteceria algo muito mais dramático.O objetivo do experimento nunca foi me transformar no Incrível Hulk ou algo do tipo, mas mais algo que combina elementos políticos e culturais para mostrar o potencial da tecnologia como algo que pode beneficiar as pessoas.Qual é o modelo de negócios da sua empresa? Tem conseguido algum lucro?- Bom, uma coisa importante a frisar é que não vendemos nenhum sistema de modificação genética de humanos. Nossos kits feitos para usar em casa são seguros e ensinam os usuários a fazer essas alterações em bactérias e leveduras. Conseguimos um lucro modesto, sim, vendemos até uns 250 kits por mês, dependendo da época, tanto para consumidores individuais que querem se divertir num feriado quanto para escolas de ensino médio e universidades.Uma coisa que tem ficado clara com os estudos genômicos é que seria muito difícil alterar as características humanas que realmente importam -inteligência geral, personalidade, até capacidade atlética ou beleza- com métodos de manipulação do DNA, porque essas coisas são resultado da interação de dezenas, centenas ou até milhares de genes entre si e com o ambiente. Como vê essa questão? Não seria mais correto diminuir as expectativas das pessoas em relação ao que a tecnologia pode fazer?- Sem dúvida, muitas características são complexas, em especial as mais interessantes ou importantes. Mas, no caso de muitas outras, você consegue "decompor" as contribuições de diferentes genes e chegar a um punhado deles, um ou dois que contribuem com 25% ou 40%, digamos, do que se manifestará na pessoa na vida adulta em relação àquela característica.Isso sem falar em muitas doenças sérias que são monogênicas [ligadas a mutações em único gene]. O mesmo acontece com a miostatina, cuja modificação já foi testada em pessoas com distrofia muscular e que realmente parece ser capaz de melhorar a performance atlética.E se algumas pessoas decidirem modificar o DNA dos seus óvulos ou dos seus espermatozoides para passar certas características a seus filhos?- É claro que a discussão é supercomplexa. Mas, em certo sentido, ela também é inútil. Hoje, já fazemos modificações genéticas em embriões no laboratório, mas de maneira geral ainda é proibido alterar o DNA desses embriões e implantá-los num útero para que se desenvolvam.As pessoas esperam que as crianças nasçam com algum problema genético para só depois tentar tratá-las, o que me parece meio estranho. Desconfio que, nesses casos, a maioria das pessoas vai acabar aceitando a alteração de embriões com edição genética.Depois disso, podem vir as razões não médicas para fazer edição de DNA; você pode querer alterar os genes do seu filho para que ele corra mais rápido que a média das pessoas. A gente pode dizer que isso não é ético, mas a pergunta que eu faço é a seguinte: o que eu e você podemos fazer para impedir isso? A linha que separa a capacidade de resolver um problema do "melhoramento" por vias genéticas é arbitrária, ainda mais num momento em que a tecnologia está ficando mais simples.Uma posição radical como a sua atrai muitos "haters"?- Eu acabo ganhando "haters" de todos os lados do espectro político, religiosos, não religiosos, muita gente. Falar de modificações genéticas parece mexer com aquela coisa sagrada, aquele tabu de alterar o que nos torna humanos.Mas a questão é que, quando as pessoas se dão ao trabalho de conversar comigo, normalmente percebem que eu sou um cara razoável, que está aberto a discutir, que não se acha perfeito nem nada.O ponto de vista que eu tento explicar a elas é o seguinte: nunca houve uma tecnologia que tivesse apenas efeitos positivos ou negativos, então a questão não é proibir o uso. Como fazer para que a tecnologia fique acessível a todos e seja o mais benéfica possível?Outra coisa que sempre digo: vocês estão preocupados com pessoas hipotéticas que podem ou não ter problemas com essa tecnologia, mas tem um monte de gente real morrendo hoje por causas que talvez ela possa ajudar a enfrentar.

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