© Pilar Olivares/REUTERS
Cerca de 1.400 homens das Forças Armadas realizam neste sábado (3) uma operação na favela Vila Kennedy, em Bangu, bairro da zona Oeste do Rio de Janeiro. De acordo com o Comando Militar do Leste (CML), a ação tem como objetivo a desobstrução de vias no local. A favela já havia sido alvo de uma operação em 23 de fevereiro, quando as Forças Armadas foram criticadas por "fichar" moradores, tirando fotos com RG, de quem circulava pelas ruas da favela.
PUB
No decorrer da operação deste sábado, um homem foi preso acusado de desacato. O CML informou que ele foi conduzido à delegacia de polícia judiciária militar para registrar a ocorrência e será encaminhado à delegacia civil de Bangu.
A página do Facebook "Voz da Vila Kennedy", portal de notícias comunitárias, afirma que a quantidade de soldados, carros e tanques é "bem menor" do que das últimas operações e que não houve registro de tiroteios. Segundo a página, todas as entradas do bairro estão ocupadas por militares que fazem um "rígido controle de acesso", revistando carros.
+ Intervenção ainda não apresentou planos, diz líder do setor hoteleiro
INTERVENÇÃO NO RIO
O Rio de Janeiro está sob intervenção federal na segurança, comandada pelo general Walter Braga Netto, nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB). Anunciada em 16 de fevereiro, a medida foi aprovada pelo Congresso.
A operação do Exército teve início na madrugada do dia 23, com apoio das polícias Civil e Militar, envolveu 3.200 homens nas comunidades Vila Kennedy, Coreia e Vila Aliança, na zona oeste. No dia 20, um sargento do Exército foi morto por bandidos durante arrastão em Campo Grande, bairro vizinho.
Ao todo, 27 pessoas foram encaminhadas para delegacia, incluindo um menor de idade -não foram divulgadas as identidades nem os eventuais crimes cometidos. Além de drogas, houve apreensão de duas pistolas, uma réplica de fuzil, carregadores, 12 carros e 13 motos roubadas e 8 radiotransmissores.
Nas abordagens aos moradores das favelas, os militares enviavam RG e foto das pessoas por um aplicativo para um setor de inteligência, que avaliava eventual existência da anotação criminal. Após flagrar esse "fichamento" das pessoas, a reportagem da Folha de S.Paulo chegou a ser impedida de continuar no local e foi encaminhada por homens do Exército a uma distância de 300 metros.
'GRAVES INFRAÇÕES'
A OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), que criou um grupo para acompanhar a intervenção no Rio, classificou as ações dos militares como "graves infrações às garantias constitucionais". "A ação afrontou os direitos constitucionais de ir e vir e da liberdade de expressão, ao cercear moradores e equipes da imprensa", afirmou a OAB, que estuda medidas judiciais para impedir novos casos como os desta sexta.
A Defensoria Pública do Rio manifestou "veemente discordância" com a prática." A abordagem pessoal por qualquer agente de segurança só é permitida quando há razões concretas e objetivas para a suspeita de que o indivíduo esteja portando bem ilícito ou praticando algum delito. O fato de se morar em uma comunidade pobre não é razão suficiente para este tipo de suspeita", afirma.
A página Maré Vive, administrada por líderes comunitários da favela da Maré, na zona norte, afirmou que esse tipo de revista pelo Exército nunca seria tolerado em bairros nobres. "Eu queria ver se isso algum dia vai acontecer no Leblon, Ipanema, Flamengo, Laranjeiras, Barra, qualquer lugar que não a favela."
A ONG Justiça Global disse que enviou à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) pedido para que mandem observadores internacionais para acompanhar a intervenção no Rio.
A socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança Pública da Universidade Cândido Mendes, afirmou que a abordagem do Exército a moradores de favelas "é medida que viola o direito constitucional de todo cidadão de não ter sua liberdade e intimidade cerceada".