Ex-empresário: Trabalhar com João Gilberto é um tormento, mas fabuloso

Krikor Tcherkesian foi uma espécie de 'faz-tudo' do cantor durante duas décadas

© Divulgação

Cultura entrevista 29/04/18 POR Folhapress

MARCO RODRIGO ALMEIDA - Como um disco, Krikor Tcherkesian tem um lado A e um lado B. Ouvi-los em sequência é uma experiência dissonante, mas o descendente de armênios encontrou uma harmonia incomum para tocar sua vida.

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A trajetória musical é conhecida por amantes da bossa nova: foi empresário -um faz-tudo, define- do cantor João Gilberto por quase 20 anos.

Krikor conheceu o mestre da bossa nova no começo dos anos 1970, quando um amigo pediu ajuda para resolver um enrosco salarial entre a TV Tupi e o músico.

O discreto e metódico cantor e o espalhafatoso e enérgico armênio não pareciam ter nada em comum, mas uma inesperada afinidade surgiu.

Após dar adeus à USP, estreitou os laços com João e tornou-se seu empresário. "Os pepinos que ele arrumava estouravam todos na minha mão. Paguei todos os meus pecados", brinca.

Teriam ficado ricos, diz, não fosse o comportamento sempre imprevisível do cantor. Uma vez, a gravadora Warner e a empresa aérea Vasp pretendiam patrocinar uma turnê de João Gilberto pelo Brasil. O salário seria altíssimo, bastava assinar o contrato.

"Esse era o meu problema. As semanas passavam e nada de o João assinar. Cada hora era uma desculpa. Então dei uma encurralada nele. 'Meu, ou vai ou racha. Quer ganhar dinheiro? Tem que assinar.' Aí ele disse que não ia assinar, pois não queria que os americanos ficassem ricos nas costas dele. Ficamos sem nada."

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Trabalhar com João Gilberto era um tormento, mas também fabuloso. "É um nome fantástico, idolatrado no mundo inteiro. O maior artista do país. Foi uma fase muito boa."

Ele relembra os bons momentos. Em 1983 acompanhou o músico em um show em Roma. "Foi uma apresentação ao ar livre, lotamos as ruas. Um monte de gente de camisa verde e amarela. Quem nos contratou foi o governo da época, do Partido Socialista Italiano, você acredita?"

Também participou da gravação do disco "Brasil" (1981), reunião de João Gilberto com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. O trabalho valeu a ele o crédito de produtor-executivo e uma úlcera.

"Esse rendeu muita luta, muita encrenca, puta merda... Cada dia um deles queria cancelar o ensaio. Mas ficou um discão no final, consagrado no mundo inteiro."

Krikor diz nunca ter comentado com João Gilberto ou qualquer outra pessoa da área musical a respeito de seu passado na USP. Circular no meio artístico, em que predomina a esquerda, não foi problema.

"Eu era outra pessoa ali. A parte política não comentava com eles. E nenhum deles era autêntico, era tudo conversa mole de esquerdista."

E qual seria a orientação política de João Gilberto?

"Nenhuma, indefinido. É biruta, alienado, vive no mundo da lua, não se interessa." Kirkor e o cantor trabalharam juntos até meados dos anos 1990. Conversaram pela última vez há cerca de cinco anos.

Uma expressão de lamento tomou seu rosto ao comentar a situação atual do amigo. Aos 86 anos, o pai da bossa nova está com a saúde e as finanças debilitadas. "Tenho uns amigos empresários que estão dispostos a ajudar João com grana. Vamos ver se resolvemos essa situação."

Pessoas do meio musical que trabalharam com Krikor preferiram não comentar publicamente sua atuação na ditadura quando informadas do fato pela reportagem. "É inacreditável, né? Parece que algo não liga", disse uma delas, sob condição de anonimato.

Para Krikor, a passagem de uma fase à outra foi espontânea e agradável como um bom samba. "A minha parte no governo militar é fora de sério. Na música, nem se fala. Mas agora parei, não olho pra trás."

No fim da entrevista, lança mais uma piada. "Meu plano agora é ir para a Armênia e fazer agricultura familiar. Quem sabe não sigo o programa do PT sobre esse assunto?".

Com informações da Folhapress.

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