© Reprodução / São Paulo Antiga
Na avenida São João, número 288, a poucas quadras dos escombros do desabado edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, está o antigo Hotel Central.
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Construído em 1918 pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo, que idealizou obras como o Theatro Municipal, o Palácio dos Correios e o prédio da Pinacoteca, o edifício hoje é ocupado por cerca de 200 pessoas do movimento FLM (Frente de Luta por Moradia) -que contam com o apoio daquela que reconhecem como proprietária do imóvel.
A cantora, escritora e filósofa Flávia Virgínia, 46, filha do cantor e compositor Djavan, tem um acordo com os moradores do elegante prédio de quatro andares, que possui 40 apartamentos e uma fachada adornada por elementos barrocos, com colunas, volutas, portas-balcão e mansardas.
Segundo explicam os moradores -sem citar Flávia, que pede que sua participação não seja motivo de publicidade-, o dinheiro que sobra da contribuição voluntária mensal feita por todos deve ser investido em obras no imóvel.
Enquanto o entendimento vigora, ela não solicita a reintegração de posse, e fica com um valor próximo de R$ 6.000 para suas necessidades pessoais. Cada um dos moradores participa com quantias entre R$ 80 e R$ 150. O imóvel tem valor venal de R$ 4,5 milhões.
Devido a esse arranjo e à organização dos moradores, o local é tido pela prefeitura como uma invasão acima do padrão, com instalação elétrica adequada, extintores de incêndio instalados e condições de higiene favoráveis.
Os quartos medem entre 9 m² e 33 m² e receberam hóspedes grã-finos até as décadas de 1960 e 1970, quando o centro começou a perder seu protagonismo econômico. Até a década de 1990, recebeu viajantes com poder aquisitivo mais modesto, e já estava inativo quando foi invadido, em 2012.
No começo da semana, a gestão Bruno Covas (PSDB) usou o imóvel para desenvolver a metodologia das vistorias que serão feitas em cerca de 70 prédios invadidos. O prédio foi visitado na segunda-feira (7), dia em que seriam iniciadas as vistorias.
"Os moradores pagam uma espécie de locação social para a proprietária e então ela não pede a reintegração de posse, porque honramos os compromissos com ela", afirma Osmar Silva Borges, coordenador da FLM.
"A proprietária vê o estado do local, acompanha se estamos conservando. Ela vem aqui conversar, participa de assembleias nossas. O acordo foi feito há quatro anos", completa Silva, com o cuidado de não revelar o nome de Flávia.
Antonia Nascimento, coordenadora do Movimento Sem Teto Pela Reforma Urbana, filiado à FLM, é quem cuida do relacionamento do prédio com as autoridades municipais.
Ela afirma que é nas assembleias, com a participação dos moradores (e, ocasionalmente, de Flávia), que são decididos os detalhes da agenda diária do edifício, como a divisão de tarefas, e questões mais amplas, como a definição de como serão feitos os investimentos dos valores arrecadados.
"Aqui moram idosos, crianças, adolescentes, deficientes. Uma das regras do prédio é que, para morar aqui, a criança tem que estar frequentando a escola. Se a criança sair, chamamos a atenção, decidimos se a pessoa tem que deixar o prédio ou não. São critérios e regras definidos pela assembleia e têm que ser cumpridos", afirma.
"Temos treinamento de brigada, por exemplo. Tem bombeiro formado também morando aqui. O movimento preza a segurança das famílias de forma única", diz Antonia.
A reportagem não foi autorizada por representantes da FLM a entrar no edifício.
O prédio foi comprado em 2007 pelo empresário angolano Mario Fernandes Almeida durante um período em que teve relacionamento com Flávia (de 2002 a 2009).
Eles moraram parte do tempo em Angola e outro no Brasil. Tiveram duas filhas antes de se separarem. Também foi nessa época que compraram seis imóveis em São Paulo.
Na época, Almeida planejava investir mais de R$ 11 milhões na reforma do antigo hotel, transformando-o em um grande espaço para exibir arte africana. No entanto, o projeto não vingou.
Atualmente, a propriedade do imóvel da São João é motivo de disputas judiciais entre Flávia e Almeida. Ela pede o direito de administrar sozinha a propriedade. Segundo manifestação de Flávia no processo, o descaso do ex-companheiro com o imóvel levou a dívidas de centenas de milhares de reais em impostos.
A filha de Djavan solicita ter o direito de decidir o destino do imóvel para que a herança das filhas não seja prejudicada.
Já Almeida, que atualmente vive em Portugal, diz que Flávia não teria direito à propriedade do edifício pela natureza do relacionamento deles e que ela estaria se aproveitando "indevidamente" de imóvel que seria seu.
Ele entrou na Justiça com pedido de reintegração de posse do imóvel na avenida São João, o que pode fazer com que os atuais ocupantes tenham que sair de lá sem anuência de sua ex-companheira.
Procurada pela reportagem, Flávia não quis se pronunciar sobre o tema. Por meio de seus advogados, Mario Almeida afirmou que prefere não dar declarações no momento. O cantor Djavan também foi procurado por meio de sua assessoria de imprensa, mas não respondeu. Com informações da Folhapress.