© Ricardo Moraes/Reuters
Policiais civis, militares e homens do Exército terminaram por volta das 4h desta sexta-feira (11) a reconstituição da morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), no centro do Rio. O crime completa dois meses na próxima segunda-feira (14).
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A vereadora e o motorista Anderson Gomes foram mortos quando voltavam de um debate na Lapa, no centro do Rio, e iam em direção à Tijuca, zona norte. No caminho, no bairro do Estácio (centro), um carro emparelhou com o de Marielle e disparou. Ela morreu na hora com quatro tiros na cabeça.
Por volta das 2h, sacos de areia utilizados para aparar as balas foram colocados e um boneco levado para a cena do crime. Os primeiros disparos que simularam o assassinato de Marielle e Anderson foram efetuados após o toque de uma sirene às 2h49. Foram duas rajadas seguidas, de cerca de quatro tiros cada uma, parecendo uma pistola com repetidor.
A sirene foi novamente acionada às 3h14. Desta vez, foi efetuado apenas um disparo. Nova rajada única de tiros, que teria vindo de una metralhadora, foi disparada às 3h32.
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PREPARATIVOS
Os preparativos para a reconstituição do crime começaram por volta das 23h desta quinta. Para realizar a simulação, duas ruas foram bloqueadas para veículos e pedestres em um perímetro de cerca de 1 km. O espaço aéreo foi restringido a aeronaves e drones também foram proibidos no local.
No entroncamento das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, local exato onde a vereadora foi morta, imensas lonas de plástico preto foram estendidas por militares para preservar testemunhas e evitar que imagens fossem capturadas pela imprensa e curiosos. Dois caminhões das Forças Armadas com imensos refletores iluminaram as vias. A imprensa não pode acompanhar a simulação.
Na esquina onde o carro da vereadora foi atingido, policiais colocaram sacos de areia para conter as balas que foram disparadas na madrugada. Um carro do tipo Gol, diferente do da vereadora, serviu de modelo para a simulação.
Passava de 1h quando dois carros, um onix branco e um sedan prata, foram usados na reconstituição. Eles manobraram várias vezes, em vários pontos das ruas. Policiais civis fotografavam tudo.
Para manter o sigilo, policiais civis que participaram da reconstituição receberam uma pulseira que dava acesso ao local. Do alto de uma cobertura de um prédio próximo, a reportagem conseguiu acompanhar a reconstituição.
Além dos investigadores, também estavam presentes o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e a mulher de Marielle, a arquiteta Mônica Tereza Benício. Um homem, vestindo balaclava preta para não ser identificado, acompanhava os policiais em vários pontos das ruas.
Ao menos três testemunhas também participaram da simulação para tentar reconhecer o som dos tiros para auxiliar a polícia na identificação da arma utilizada pelos assassinos.
A polícia ainda não descobriu o tipo de arma usada no crime -se foi uma pistola ou uma submetralhadora, ambas calibre 9 mm. Apesar de terem o mesmo calibre, o som que cada arma faz é diferente.
Do lado de fora da reconstituição, duas mulheres entoavam em uníssono: "Marielle, presente!", que se transformou no grito de guerra e homenagem à vereadora morta.
DELEGADO
O delegado titular da Delegacia de Homicídios do Rio, Giniton Lages, disse que a reconstituição simulada é uma forma de recolher possíveis provas para o inquérito, já que não há registro de imagens do homicídio pelas câmeras de trânsito e de segurança da região.
"Com as testemunhas presenciais, aqui no cenário do crime, através das percepções auditivas e pessoais, é possível reconstituir a dinâmica do crime. É preciso ter a movimentação exata dos veículos, saber como foram os disparos realizados, se foram rajadas ou intermitentes, tentar determinar qual foi o tipo de armamento", afirmou o delegado.
TESTEMUNHA
Perto de completar dois meses, o assassinato da vereadora ainda não foi solucionado. Na última terça (8), porém, reportagem do jornal O Globo mostrou que uma testemunha apontou o vereador Marcello Siciliano e o ex-PM Orlando Oliveira de Araújo como mandantes do crime.
Preso, o ex-PM é suspeito de chefiar uma milícia que atua na zona oeste, reduto eleitoral do vereador, também apontado como tendo ligação com grupos paramilitares. Orlando comandaria a milícia de Jacarepaguá (zona oeste) e Curicica. Os dois negam as acusações.
Ainda de acordo com a reportagem, Marielle estaria atrapalhando os planos do grupo de expansão de territórios para outras localidades da região, como a Cidade de Deus, atualmente dominada por traficantes. Marielle estaria denunciando abusos policiais em seguidas operações na favela.
Segundo a reportagem apurou, milicianos veriam com bons olhos as investidas policiais contra traficantes da favela, que mais tarde poderia vir a ser dominada por paramilitares.
Siciliano negou qualquer envolvimento no crime e disse não conhecer o ex-PM, preso desde outubro sob suspeita de homicídio e participação em milícias.
Em carta escrita de dentro do presídio, obtida pelo jornal O Dia, o ex-policial também negou participação no crime. Ele também descreditou o depoimento da testemunha, que seria um ex-colaborador de um outro grupo miliciano. Orlando Araújo chega a citar nominalmente o delator, apesar de sua identidade ter sido preservada na reportagem do diário carioca.
A testemunha que ligou os dois ao homicídio da vereadora alegou ter trabalhado para o grupo e em três depoimentos deu detalhes sobre encontros onde o assassinato supostamente teria sido decidido.
Pelo menos três homens teriam sido mortos depois do assassinato de Marielle, como queima de arquivo. Carlos Alexandre Pereira Maria, 37, o Alexandre Cabeça, e Anderson Claudio da Silva, 48, foram mortos pelos milicianos, segundo a acusação divulgada pelo jornal.
O corpo de Alexandre Cabeça foi encontrado em 8 de abril, mais de três semanas depois da morte de Marielle, dentro de um carro, por PMs do 18º Batalhão da PM (Jacarepaguá). Alexandre era colaborador de Siciliano e chegou a ser ouvido pela polícia sobre o assassinato da vereadora.
Já o policial reformado Anderson Claudio da Silva foi morto com vários tiros, inclusive de fuzil, ao entrar em seu carro, na praça Miguel Osório, no Recreio dos Bandeirantes. Silva dirigia uma BMW blindada. Ele se aposentou como subtenente em 2015, após ser baleado em operação no Complexo do Chapadão.
Nesta terça, poucas horas após a divulgação da reportagem, um outro policial militar foi morto. O sargento Luiz Felipe de Castro Moraes, do 16º Batalhão (Olaria) foi assassinado em Brás de Pina (zona norte) após deixar o serviço. Ele havia sido homenageado na Câmara dos Vereadores do Rio em novembro, justamente por iniciativa de Siciliano.
Nesta quarta-feira, o jornal O Globo divulgou segunda reportagem que aponta que a mesma testemunha relatou que dentro do carro de onde foram disparados os tiros contra Marielle estaria um PM do 16º Batalhão e um ex-PM que serviu no batalhão da favela da Maré. Com informações da Folhapress.