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Alex Turner chega com um ligeiro atraso ao MiniBar, pub americano hostil que se esforça para ser cool -ao contrário do vocalista e guitarrista do Arctic Monkeys.
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Instado a escolher a mesa onde concederá a entrevista à reportagem, Turner, frequentador deste bar próximo a sua casa, passa por uma mesa iluminada, mas senta-se em um canto mais escuro e afastado.
A cena ilustra a mudança radical do quarteto inglês em seu sexto disco, "Tranquility Base Hotel & Casino", lançado na última sexta-feira (10).
"Gravei mais isolado desta vez", conta o britânico. Em 2016, ganhou um piano de seu empresário ao completar 30 anos e viu a criatividade voltar.
"Nada do que saía da minha guitarra me surpreendia mais. Sentei naquele piano sem saber aonde iria me levar. Isso me ajudou com as músicas. Acho que adoro o desconhecido", ", afirma Turner.
O salto no escuro não foi uma decisão fácil. "AM" (2013), disco anterior do grupo, é o mais bem-sucedido de sua carreira. E a tentação de seguir com um álbum no mesmo estilo roqueiro era imensa.
"Houve um momento que cogitamos a ideia de voltar para o estúdio e gravar uma segunda parte de 'AM', mas isso não aconteceu por diversos motivos. Ainda bem".
Gravando sozinho ao piano, longe dos outros membros, que retornaram à Inglaterra, Turner criou um disco quase sem guitarras, com elementos de jazz e tons psicodélicos.
"Não havia outra escolha para o som. Teve uma hora em que eu não tinha certeza, mas Jamie [Cook, guitarrista do grupo] também achou que aquele era o caminho", diz o vocalista, que desmente ter concebido o novo trabalho como um álbum solo.
"Isso é um mal-entendido. O disco foi criado com a intenção de ser dos Monkeys e eles me apoiaram totalmente."
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A impressão talvez se deva a composições de tom autobiográfico, como a faixa de abertura do álbum, "Star Treatment", que diz: "Eu queria apenas ser um dos Strokes/Agora, olhe para a bagunça que você me obrigou a fazer".
"Escrevi no início do processo e ela foi responsável por me colocar num ponto de inspiração e honestidade. Achei que mudaria depois, mas notei que ela estava onde deveria. Ainda continuo querendo ser um deles", afirma Turner.
Tímido, de discurso desconectado e meditativo, assume outra personalidade em "Tranquility Base Hotel & Casino". As letras são verborrágicas, conectadas e capturam momentos geracionais como poucos do rock atual fazem.
Em "Four Out of Five", Turner divaga sobre gentrificação: "Construí uma taqueria no telhado/Foi bem resenhada/Ganhou quatro estrelas de cinco/Nunca vimos isso antes". Na pesada "She Looks Like Fun", cita Bukowski. "Golden Trunks" versa sobre Trump ("O líder do mundo livre nos lembra um lutador com maiô dourado").
"O som é mais europeu, mas as letras são inspiradas nos Estados Unidos", confirma ele.
Performances de Turner têm um tanto de atuação, caso de "One Point Perspective". Nela, ele canta: "Aguenta um pouco, cara. Perdi minha linha do pensamento".
Ao interpretá-la no palco, em um show no cemitério Hollywood Forever, dias após a entrevista à Folha, finge se confundir e faz pausa dramática antes de voltar a cantar.
"O cinema é minha inspiração", conta ele, que cita filmes de ficção científica no álbum. "Gosto da ideia de vir a me envolver com cinema e escrever algo diferente de uma música. Mas não está dito que eu tenha essa capacidade."
Outro aspecto presente no álbum e que o reveste como um todo é a tecnologia.
Há menções ao comunicador Neil Postman (1931-2003), à dependência da internet ("Science Fiction") e, na faixa-título, a frase que afirma: "Avanços tecnológicos me deixam mesmo muito no clima".
Algo distante do moleque de 18 anos cujo primeiro sucesso, "I Bet You Look Good On The Dancefloor", usava o tema para tirar sarro dos próprios trejeitos na pista de dança.
"Acho que, depois de mais dez anos praticando, ganhei certa habilidade para criar músicas", diz ele -e pauta, temendo parecer arrogante. "Eu teria de ser um robô para não mudar nesses anos." Com informações da Folhapress.