Junta argentina pediu ajuda aos EUA para 'camuflar' ditadura

Informação consta em documentos tornados públicos pelo Departamento de Estado americano

© Marcos Brindicci/Reuters

Mundo confidencial 12/05/18 POR Notícias Ao Minuto

Ao informar o embaixador americano em Buenos Aires de que um "hipotético golpe militar" estava prestes a acontecer na Argentina, o almirante Emilio Massera, comandante da Marinha, perguntou se os EUA poderiam indicar firmas de relações públicas americanas de boa reputação para ajudar na imagem do futuro regime.

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Bastidores das relações entre autoridades dos dois governos como este, de importância histórica, são detalhados em documentos confidenciais tornados públicos em 2016 pelo Departamento de Estado americano.

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"Ele [Massera] disse que não era segredo que os militares poderiam preencher o vácuo político muito cedo. Eles não queriam fazê-lo, mas neste ponto as escolhas pareciam ser entre a intervenção militar e o caos total levando à destruição do Estado Argentino", diz o telegrama do embaixador Robert Hills ao secretário de Estado, Henry Kissinger, em 16 de março de 1976.

Hills responde ao pedido do militar afirmando que, embora os EUA não desejassem ser envolvidos na política interna argentina, poderia fornecer uma lista de empresas.

Massera também apresentou ao diplomata as opções do que fazer com Isabelita Perón, que assumira a Presidência após a morte de seu marido, Juan Perón (1895-1974).

"Ele [Massera] disse que era um problema espinhoso, mas que o pensamento era que provavelmente a melhor coisa seria deixar que a sra. Perón simplesmente saísse do país. Por outro lado, muitos nas Forças Armadas gostariam de tomar uma medida forte contra ela. Uma possível solução seria detê-la [...] até que uma decisão fosse tomada", registra o documento.

Não foi nessa ocasião que o embaixador descobriu a iminência do golpe. Dois meses antes, ele havia informado, em telegrama a Kissinger, sobre os preparativos, tendo sido avisado pelo chefe de gabinete do Exército, Eduardo Viola, de que "algumas execuções provavelmente seriam necessárias".

Em 24 de março de 1976, a junta liderada por Massera e pelos generais Jorge Videla e Orlando Ramón Agosti tomou o poder. Isabelita acabou em prisão domiciliar por cinco anos, até se exilar na Espanha, em 1981.

A junta contratou a empresa de relações públicas americana Burson-Marsteller, por US$ 1,2 milhão, segundo documentos obtidos pela Comissão da Memória Histórica da Chancelaria, da Argentina. Mas isso foi só em 1978, quando a realização da Copa do Mundo acabou tornando pública para o mundo a perseguição sistemática, a tortura e a execução sumária de opositores do regime.

Estima-se que 30 mil pessoas tenham desaparecido durante a ditadura argentina.

Um primeiro contrato foi firmado em 1978. Entre outras ações, foram encomendados 250 mil adesivos a serem distribuídos no comércio da capital. Nas cores da bandeira, traziam o slogan bolado pela Burson-Marsteller: "Os argentinos somos direitos e humanos".

Uma semana após o golpe, Hills enviou uma avaliação de sete páginas ao Departamento de Estado sobre a junta.

"Este foi provavelmente o mais bem executado e mais civilizado golpe na história argentina. Foi único de várias maneiras. Os EUA não foram acusados de estar por trás dele, exceto por Nuestra Palabra, um órgão do Partido Comunista Argentino. A embaixada espera que isso fique assim."

"O governo dos EUA, claro, não deve ficar excessivamente identificado com a junta, mas, enquanto o novo governo [argentino] puder talhar uma linha moderada, o dos EUA deve encorajá-lo e examinar de maneira simpática quaisquer pedidos de assistência", disse. Em abril, o Congresso americano aprovou US$ 50 milhões em ajuda militar à Argentina.

Em junho, Kissinger é ainda mais abertamente favorável ao regime militar. Em encontro com o então chanceler argentino, almirante Cesar Augusto Guzzetti, em Santiago, ele diz: "Se há coisas que precisam ser feitas, vocês devem fazê-las rapidamente. Mas devem voltar rapidamente aos procedimentos normais".

"Nosso maior problema é o terrorismo. É a primeira prioridade do governo que assumiu em 24 de março ["¦] A Argentina precisa da compreensão e do apoio dos EUA", afirma o chanceler.

"Estamos seguindo os eventos na Argentina de perto", responde Kissinger. "Desejamos bem ao novo governo. Queremos que tenha sucesso. Faremos o que pudermos para ajudá-lo a ter sucesso." Com informações da Folhapress.

 

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