Wenders mostra documentário chapa-branca sobre papa Francisco

"Pope Francis" foi uma encomenda da própria Igreja Católica, sobretudo do responsável pela comunicação papal, fã dos filmes do cineasta.

© Jean-Paul Pelissier / Reuters

Cultura Cannes 14/05/18 POR GUILHERME GENESTRETI para Folhapress

GUILHERME GENESTRETI - "Pope Francis", um dos títulos mais antecipados desta edição do Festival de Cannes, começa com imagens de névoas místicas encobrindo a cidade italiana de Assis, onde são Francisco está sepultado. Fica evidente desde logo o paralelo que conduzirá todo o documentário do alemão Wim Wenders: entre o santo que renunciou à riqueza para abraçar os pobres e o pontífice progressista, vindo da periferia do mundo.

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Em imagens de arquivo de 1999, o então arcebispo Jorge Mario Bergoglio está na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, pedindo a todos que se abracem. Sobrevoando o Rio de helicóptero, já como papa Francisco, ele não deixa de notar a linha que separa as favelas dos prédios caros da zona sul carioca.

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Nas duas horas seguintes, seja falando direto à câmera ou em pregações mundo afora (de hospitais depauperados na África ao Congresso americano), Francisco tem como alvos constantes a acumulação da riqueza e a dilapidação dos recursos do planeta. Nada parece movê-lo mais do que esses assuntos.

Numa das cenas, a repórter brasileira Ilze Scamparini, da Rede Globo, pergunta ao papa sobre o "lobby gay". Ele responde que se gays amam a Deus, então ele, papa, não tem nada a ver com isso.Ao optar por um enfoque "secular", Wenders retrata Francisco mais como um porta-voz dos oprimidos, um entoador de frases feitas que seria ovacionado em fórum social, do que como o líder religioso que ele é e que precisa segurar o seu rebanho em tempos de ceticismo.

Decorrem daí os dois principais problemas do filme. Em primeiro lugar, o diretor não se preocupa em explicar as raízes do progressismo do papa. Vai à Argentina falar com uma freira que o conheceu na juventude e se dá por satisfeito, sem despender tempo no celeiro que o formou.

Não faz, por exemplo, o que fez com o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado em "O Sal da Terra". Ele também não se detém nos prováveis embates de Francisco com a cúpula católica. O diretor ronda os corredores cheios de afrescos do Vaticano, mas não se questiona como é para uma instituição arraigadamente conservadora ter como líder alguém com causas tão liberais. E quais seriam as contradições de Francisco, esse poço de bondade? 

"Pope Francis" foi uma encomenda da própria Igreja Católica, mais precisamente do responsável pela comunicação papal, o monsenhor Dario Edoardo Viganò, um fã confesso dos filmes do cineasta. 

Wenders, um luterano praticante, é nome central da geração alemã que também revelou Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder. Ele já povoou sua filmografia com anjos ("Asas do Desejo", "Tão Longe, Tão Perto") e com vagabundos no sentido literal ("Paris, Texas", "No Decurso do Tempo"...).

Com "Pope Francis", parece querer incluir também os santos.Na competição Wenders não compete à Palma de Ouro, disputa que foi engrossada nesta segunda (14), com a exibição de "Lazzaro Felice", da italiana Alice Rohrwacher, e "Shoplifers", do japonês Hirokazu Kore-eda.Rohrwacher, que venceu o Grande Prêmio do Júri em Cannes por "As Maravilhas", retorna ao festival francês com uma história de tintas surreais ambientada numa Itália rural.

Lazzaro é um jovem meio "pazzo", é o ingênuo faz-tudo numa comunidade de agricultores de tabaco. Ali, quem dá as cartas é uma marquesa que mantém os trabalhadores em regime de semiescravidão. Quando Lazzaro aceita participar do plano mirabolante bolado pelo filho de sua suserana, dá início a uma sucessão de eventos insólitos, embebidos em simbolismo cristão.

Já o japonês Kore-Eda, de "Ninguém Pode Saber" e "Pais e Filhos", questiona o que forma os laços de família com o drama humanista "Shoplifters". A história acompanha o patriarca Osamu, que vive com os parentes num apartamento modesto e ganha a vida revendendo produtos furtados. Ele topa com uma menina perdida e opta por adotá-la e incluí-la no seu esquema criminoso. 

Cheio de alegorias, "Lazzaro" é pouquíssimo convencional e pode não ir longe nas premiações em Cannes. Mas "Shoplifters" e seu grito dos excluídos contra o sistema contém os mesmos ingredientes que fizeram de "Eu, Daniel Blake" (2016) um vencedor neste mesmo festival. Com informações da Folhapress.

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