Educação não pode depender de onde o aluno nasce, diz guru de Ciro

Filósofo Roberto Mangabeira Unger defende redistribuição de recursos públicos e de quadros profissionais nas unidades de ensino do país

© Suami Dias/ GOVBA

Brasil entrevista 14/05/18 POR Folhapress

Guru de Ciro Gomes, o filósofo Roberto Mangabeira Unger defende uma redistribuição de recursos públicos e de quadros profissionais nas unidades de ensino público do país para melhorar os índices educacionais.

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Em entrevista, concedida na semana passada, o professor da Universidade Harvard observou que não é admissível que atualmente a qualidade da educação que um jovem brasileiro recebe dependa do lugar onde ele nasce.

Ele também propõe que o ensino público privilegie o aprofundamento seletivo em detrimento da 'abrangência enciclopédica'. "Toda matéria deve ser ensinada pelo menos duas vezes de dois pontos de vista contrastantes", pregou. Como melhorar o sistema educacional brasileiro?

É necessário um sistema nacional de avaliação e um conjunto de mecanismos para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos a lugares mais pobres. Não é admissível que a qualidade da educação que um jovem brasileiro recebe dependa do lugar onde ele nasce. E temos de produzir uma transformação radical. 

+ Pacientes encontram rato em hospital público de Brasília A nova base nacional curricular é satisfatória?

O currículo nacional recentemente adotado está muito aquém dos experimentos educacionais mais avançados que já existem no país, no próprio ensino público. Nós temos no Brasil um ensino que é a negação dos nossos pendores.

É como se o objetivo da educação brasileira fosse transformar crianças brasileiras do século 21 em crianças francesas do século 19. É um enciclopedismo dogmático e raso, decoreba.

E que mudanças devem ser feitas?

Precisamos de uma maneira de ensinar e aprender que privilegie as capacitações de análise e de síntese sobre o domínio dos conteúdos. No trato dos conteúdos, deve preferir o aprofundamento seletivo à abrangência enciclopédica, ou seja, organizado em torno de temas.

No contexto social, que prefira a cooperação entre alunos e professores e entre escolas públicas. E que aborde o conhecimento herdado de maneira dialética. Toda matéria deve ser ensinada pelo menos duas vezes de dois pontos de vista contrastantes.

Na segurança pública, como enfrentar a violência diária?

Quase toda discussão avança como se o principal problema do povo brasileiro fosse o crime organizado. E não é. O que mais aflige é o episódico. O crime organizado resulta da fraqueza do Estado, e o episódico, da fraqueza da sociedade.

O crime comum prolifera no vazio da organização social de base. É comum que as forças de esquerda pensem que ele é resultado da pobreza e da desigualdade. Mas há países mais pobres e quase tão desiguais, como a Índia, que o nível de crime comum é muito mais baixo.

É porque nesses países há uma organização comunitária de base. Um exemplo seria o poder público contratar em cada bairro ou rua vigilantes temporários e usar o problema do crime comum como uma oportunidade de transformação.

Dilma Rousseff adotou uma política de estímulo da economia e oferta de incentivos, e Michel Temer reduziu juros e cortou subsídios. Nenhum deles, no entanto, conseguiu reduzir o desemprego. Como fazê-lo?

Não se reduz desemprego por casuísmo tributário ou por gestos de subserviências aos mercados financeiros. A única forma de reduzir desemprego de maneira sustentável e ao longo prazo é a qualificação e democratização das oportunidades produtivas.

Deve haver alterações na reforma trabalhista?

A reforma trabalhista nos moldes em que foi adotada é um exemplo clássico da erosão dos direitos do trabalho. É inaceitável defender os interesses da minoria organizada contra os interesses da maioria desorganizada e usar o imperativo da flexibilidade como pretexto para jogar a maioria na precarização.

Então é necessário revogá-la?

Não é só substituí-la e voltar ao regime antigo. É criar um novo corpo de regras que reconcilie as novas formas de produção com os interesses do trabalho. Não é nem o regime liberal da flexibilização nem o regime de corporativismo sindical, que é o instrumento da minoria organizada.

Não estou propondo que se destrua a CLT [Consolidação das leis do Trabalho], mas que se construa ao lado dela um segundo corpo de regras. Eu vou dar um exemplo: se o trabalhador é contratado para um trabalho temporário ou terceirizado, a lei pode assegurar que ele seja remunerado de forma equivalente ao que seria cumprido por um trabalhador estável.

Como será a política de desenvolvimento de Ciro Gomes?

A nossa estratégia de desenvolvimento do Brasil se exauriu. Tivemos um projeto de desenvolvimento baseado na popularização do consumo, facultada pelo aumento da renda popular, e na produção e exportação de commodities.

A agricultura, a pecuária e a mineração pagaram a conta do consumo urbano. Temos que construir agora um projeto voltado à democratização e qualificação do aparato produtivo e capacitação do povo brasileiro.

E como fazê-lo em um cenário de crise econômica?

Nosso debate econômico tem sido dominado quase exclusivamente pelos problemas de travessia, não pelos de fundo. A agenda de travessia, que é o que se chama de ajuste fiscal, só pode ser concebida corretamente à luz da agenda de fundo.

Nós temos de reindustrializar o país, mas não pode ser mais a reindustrialização do século passado. Esse é o problema de fundo, que exige políticas audaciosas que transformem a economia de mercado para permitir que mais gente tenha mais acesso aos recursos e oportunidades da produção.

Que tipo de política audaciosa?

O agente mais importante da economia brasileira é uma multidão de pequenas e médias empresas. Há um grande dinamismo empreendedor no país, mas ele convive com um primitivismo na maneira de produzir e nos instrumentos. Nós teríamos não de eleger setores prioritários e subsidiá-los.

O meio é ampliar e coordenar os acessos ao crédito, ao capital, à tecnologia e ao conhecimento. A prioridade deve ser melhorar o ambiente geral de negócios, não distribuir uma série de benefícios casuísticos.

A atual política fiscal é suficiente para organizar as contas do governo?

É necessário um escudo fiscal. Como podemos sanear as finanças públicas do país sem deprimir a atividade econômica? Não há uma bala de prata ou um caminho único. É preciso melhorar a qualidade do gasto público: comprimir os gastos de custeio e manter o potencial de investimento.

Ao enfrentar a necessidade de manter o nível alto de receita pública, é preciso dar à arrecadação o sentido mais redistribuidor possível, como com a tributação de lucros e dividendos. É um escândalo que o Brasil seja um dos únicos países a não tributá-los. Com informações da Folhapress.

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