© Nacho Doce / Reuters (Arquivo)
Já é impossível caminhar por algumas quadras em Bogotá e não escutar o particular sotaque dos venezuelanos. Nos restaurantes, nos centros comerciais ou entre o ruído juvenil dos bares, ele está presente.
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A Colômbia é o país que mais recebeu, até agora, imigrantes venezuelanos que fogem da crise em seu país, agravada nos últimos anos. Já somam um total de 1 milhão, segundo estimativas do próprio governo colombiano.
Uma minoria, enraizada aqui há muitos anos, votará neste domingo (27) na eleição presidencial colombiana.
Porém, a "questão venezuelana" é tema constante das campanhas dos candidatos, com todas as suas implicações –o impacto nos sistemas públicos de saúde e educação, no mercado de trabalho e, do ponto de vista geopolítico, a dúvida sobre como lidar com uma ditadura vizinha.
Em Cedrizuela, como ficou conhecido o bairro de Cedritos, ao norte de Bogotá, vivem muitos dos venezuelanos recém-chegados.
"Não podemos votar, mas pedimos que os colombianos não nos ignorem. Quem for eleito precisa nos apoiar aqui e ajudar a tirar Maduro do poder para que possamos voltar. Eu nunca queria ter deixado Barquisimeto [sua cidade natal, na Venezuela]", diz María Ines Zambrano, 72.
Ela lembra que, por décadas, a Venezuela recebeu colombianos refugiados das ondas de violência em seu país, seja no período conhecido como La Violencia (a partir dos anos 1940), seja no das guerras aos cartéis (anos 80 e 90), seja no das guerrilhas.
"Não estou dizendo que eles nos devem um favor, mas somos vizinhos, nosso destino é caminhar juntos", afirma a professora aposentada.
Embora não tenham sido registrados casos de xenofobia explícita ou de violência grave, a presença maciça de venezuelanos na Colômbia não agrada a todos.
Uma pesquisa do instituto Gallup mostra que 38% da população preferiria que o governo colombiano tivesse atuação mais restritiva na fronteira, algo que nenhum dos candidatos propõe abertamente.
Há algumas semanas, o presidenciável direitista Iván Duque, por ora favorito na corrida eleitoral, se viu metido em uma polêmica quando surgiu numa estrada do país um cartaz que dizia "não quero viver como um venezuelano", com seu semblante estampado.
Duque negou que o cartaz de cunho racista fosse parte de sua campanha oficial.
Ele é, porém, quem assume posição mais contundente sobre a "questão venezuelana".
Sua campanha defende uma distribuição dos imigrantes por vários países latino-americanos (num sistema de cotas), como afirmou à Folha sua candidata a vice, Marta Lucía Ramírez, que há pouco se reuniu na fronteira com a opositora venezuelana María Corina Machado.
A campanha de Duque mantém contato constante com os opositores do regime chavista na Venezuela.O candidato também critica o atual presidente, Juan Manuel Santos, por ter sido muito brando com o ditador Nicolás Maduro. Em troca de seu apoio nas negociações para a paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Santos se absteve de fazer críticas ao chavismo.
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Apenas depois de o acordo ser assinado e aprovado foi que ele passou a criticar Maduro abertamente. E, como outros governantes, não reconheceu a eleição presidencial do último dia 20 na Venezuela.
"Se eleito, vou levar as acusações da OEA [Organização dos Estados Americanos] sobre os abusos de direitos humanos na Venezuela à Corte de Haia e exercer toda a pressão que um chefe de Estado colombiano pode para o fim dessa ditadura", disse Iván Duque à imprensa local.
Seu principal opositor, o esquerdista Gustavo Petro, é mais brando com o regime venezuelano. Até pouco tempo atrás, não escondia sua admiração pelo chavismo, mas nos últimos tempos também passou a criticar Maduro e a chamá-lo de ditador.
Todos os outros candidatos também condenam o regime, mas o eleitor colombiano médio se mostra mais preocupado com os efeitos do êxodo em massa e pede soluções para os temas que o afetam.
Segundo uma pesquisa do instituto Cifras & Conceptos, 75,7% dos colombianos entrevistados opinam que, se o fluxo de venezuelanos seguir aumentando, também crescerá a concorrência por emprego; 64,8% acham que afetará a segurança; e 44,4% creem que haverá mais violência.
Nas áreas de fronteira, essas cifras são mais altas e refletem a deterioração dos sistemas públicos de saúde e educação, algo que as autoridades já admitiram estar acontecendo.
Santos começou a registrar os venezuelanos entrantes e a mapear o problema. A ideia inicial era distribuí-los por regiões e redirecionar uma parte maior do orçamento da saúde para as áreas de fronteira.
Porém, é pouco o que Santos pode fazer até agosto, quando entrega o cargo. A busca de uma solução ficará para o sucessor. Com informações da Folhapress.