© Divulgação / HBO
Um lustroso carro preto desliza a toda velocidade por uma via de Manhattan. No banco de trás, um homem de terno pronto para fechar um negócio bilionário dá soquinhos no ar, a música em seus fones de ouvido bombando no volume máximo, até que o seu motorista avisa que chegaram ao destino, um enorme arranha-céu.
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"Quando o vemos pela primeira vez, ele está se esforçando para ser como seu pai, tentando ser o macho alfa", diz o ator Jeremy Strong, sobre Kendall, seu personagem em "Succession". "Mas ele ainda não sabe quem ele é. Há uma raiva suprimida que se traduz em agressão, e ele fica entre a disciplina e o coração partido."
Todo o drama da mais nova série da HBO parece centrado na relação de amor e ódio entre pai e filho. Na saga de uma família dona de um império de mídia, Strong vive o herdeiro que se sente mais preparado para tomar as rédeas da empresa construída pelo patriarca no momento em que ele mostra os primeiros sinais de fraqueza.
E esse retrato dos ricos e poderosos no topo do mundo acaba sendo uma reflexão -xucra, amarga e crua- sobre a mais tóxica masculinidade, em especial quando Kendall se vê diante das ambições dos irmãos e do próprio pai, relutante em ceder o comando.
O mundo da família Roy, sem a menor sombra de sutileza, parece movido a testosterona. É uma rinha de galos que se bicam até a morte e onde até as mulheres são vetores dos golpes desferidos em nome de bilhões de dólares.
"Eles falam de um jeito bem explícito, sobre paus grandes e tal", diz Jesse Armstrong, o criador da trama, no 39º andar de um hotel de luxo, com vista rasgada para o Central Park, a mesma do clã de seu seriado. "É um mundo hipermasculino, em que eles precisam destruir o inimigo."
Mas esse inimigo está bem mais perto do que eles imaginam. Mesmo que na superfície o conflito pareça se dar na disputa por contratos e no sobe e desce das ações em Wall Street, todos os personagens lutam contra os seus próprios demônios, compondo um mosaico de parentes disfuncionais, entre crianças mimadas e sociopatas da pior estirpe.
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"É uma história muito americana, uma história arquetípica de ambição, mas há algo trágico no legado dessa família", diz Strong. "Existe algo de grotesco e monstruoso sobre essas pessoas ali. É desolador."
Quando as primeiras linhas de "Succession" chegaram ao papel, a inspiração de seu criador eram clãs como os Murdoch, donos de todos os canais Fox e do Wall Street Journal, e a família Disney, que controla muito mais que o império do Mickey e do Pateta.
No fundo, também havia a tentativa de estabelecer paralelos com a tragédia shakespeariana "Rei Lear", a história do monarca que testa a fidelidade das filhas para ver quem merece mais assumir o trono.
Mas, no meio do caminho, houve a eleição de Donald Trump, um presidente famoso por chiliques e negociatas que puseram na pauta do dia coisas que antes pertenciam ao íntimo da plutocracia, entre elas acordos de confidencialidade como os que ele firmou em troca do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels.
Num dos primeiros episódios da série, o irmão mais novo de Kendall, interpretado por Kieran Culkin, constrange uma criança num jogo de beisebol e tenta limpar a barra comprando a família do garoto com um contrato secreto.
"Ele é um cara que diz e faz tudo que quer", diz Culkin. "Na vida real, você enfrenta as consequências por isso, mas esse cara não. Ele nunca teve de pagar por nada e nunca respondeu por seus atos, por isso ele é tão desconectado de tudo."
Seus pés, como os de quase todos os outros personagens da série, parecem nunca tocar o chão. Os Roy integram o clube da elite de Nova York que quase não enfrenta os entraves do asfalto, voando em helicópteros sobre os arranha-céus.
"Essa cultura existe aqui, em Londres, Paris, Moscou", diz Armstrong. "Mostra como o dinheiro viaja por todos os cantos, essa coisa de helipontos espalhados. Trata de poder. Se você tentar entender por que o mundo é desse jeito, precisa pensar em poder político, midiático e cultural."
Os planos de "Succession", nesse ponto, refletem esse movimento sem obstáculos. São closes repentinos, às vezes desconjuntados, que atropelam os movimentos em cena como um telejornal cortando direto ao ponto, uma estratégia visual telegráfica em total sintonia com a era dos tuítes.
"Esse mundo é agressivo, bronco e malvado", resume Alan Ruck, que vive Connor, outro dos irmãos Roy. "Mas não há censura. Estamos mostrando como esses caras se comportam, e é divertido ver os ricos e o sofrimento deles."Succession
Aos domingos, às 23h, na HBO.
Com informações da Folhapress.