Abuso de poder religioso divide cortes e é contestado por pastores

Série de questões não previstas na lei eleitoral pode causar confusão nas eleições deste ano

© Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Política JUSTIÇA 04/06/18 POR Folhapress

Quando que o uso do poder religioso vira crime eleitoral? Eis uma pergunta com potencial de bagunçar as cortes responsáveis por julgar abusos no pleito de 2018.

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Um candidato não pode receber doações de entidades religiosas nem fazer propaganda no templo, nisso a lei é clara. Mas e se subir no púlpito, sem que nem ele nem quem o convidou solte um "vote em mim" (isso, sim, terminantemente proibido)?

E o pastor que pleiteia um cargo? Terá que interromper suas atividades pastorais durante o tempo de campanha? Afinal, até uma parábola bíblica que cite corre o risco de ganhar viés político.

Nenhuma das situações é esclarecida pela legislação eleitoral, segundo especialistas. A começar pela figura do "abuso de poder religioso, tipo de abuso que não está escrito na lei explicitamente", diz a professora do Instituto de Direito Público Marilda Silveira.

O debate esquentou com a expectativa de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) votar o recurso de um deputado estadual do Partido Social Cristão de Alagoas. Da Igreja do Evangelho Quadrangular, João Luiz Rocha foi afastado em 2017.

A tese do Ministério Público Eleitoral: o pastor transformou cultos em comitês de campanha e fiéis em cabos eleitorais. O TSE negou o recurso de Rocha, só que em decisão monocrática de Napoleão Nunes Maia. Naquela sessão, o ministro disse ser condenável um "líder espiritual" usar sua influência com os seguidores para "capturar a sua adesão a certa candidatura".

O colegiado precisa decidir se mantém ou não a posição.

+ Defesa de Lula aguarda decisão de comitê da ONU para contrapor TSE

Outro processo no TSE mostra que o tema divide o tribunal. Pairava contra o senador Ivo Cassol (PP-RO) um pedido de cassação, após Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, pedir num ato para mais de 10 mil pessoas que votassem em Cassol -chamado de "obra de Deus" na corrida de 2010. O afastamento foi rechaçado pela corte. Segundo o relator do caso, Henrique Neves, é "constitucionalmente assegurado que sacerdotes e pregadores [...] enfrentem os temas políticos que afligem a sociedade", e "nada impede que os candidatos abracem a defesa de causas religiosas".

Afinal, onde termina a liberdade religiosa e começa o proselitismo político? Depende para quem você pergunta.

Se for para Marilda, do IDP-SP, ela vai dizer que "não há nada de errado" em casos como a romaria a igrejas de políticos em campanha, desde que ninguém ofereça "coisas em troca de votos ou faça show". A lei veda showmícios -mas números musicais "são incidentais, e não o objetivo" do rito religioso, diz a docente.

"O cara pode ir lá, mas o pastor, padre, pai de santo, rabino, nenhum pode dizer 'este é o candidato ungido por Deus'", afirma o procurador regional eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.Já André Lemos Jorge, ex-juiz no tribunal eleitoral paulista, diz que "mesmo que não peçam votos, candidatos não podem discursar nos púlpitos", com risco de incorrer em propaganda irregular, ponto final.

O ponto de interrogação combina mais com o debate, admite Jorge. "As igrejas passaram a desempenhar papel decisivo nos pleitos, algumas vezes com abusos flagrantes. Como regulamentar atividades eleitorais em templos sem afrontar o princípio constitucional da liberdade religiosa?"

Há divergência também sobre como lidar com o pastor que almeja a política. O que diz o ex-juiz André Jorge: ele tem que esperar passar a temporada eleitoral para pregar livremente. Mas cadê a lei que barre "um religioso de exercer sua função sacerdotal, desde que não insinue sua condição de candidato"? Indaga alguém afetado diretamente pela interpretação legislativa, o pastor Marco Feliciano (Pode-SP).

Alegar que "a plateia de crentes carece de discernimento é uma falácia", diz. "Por analogia, outros profissionais também poderiam influir no eleitorado. Um médico sobre seus pacientes, por exemplo."

O religioso pode pregar à vontade, mas o sermão deve passar longe da política, diz o procurador Gonçalves.

Para o deputado estadual Cezinha de Madureira (PSD-SP), pré-candidato à Câmara, falar em abuso religioso é balela. "Esportistas fazem campanhas em associações atléticas, líderes comunitários são recebidos em galpões. Personagens midiáticos usam a TV para expor suas bandeiras [...]. Por que líderes religiosos não podem falar de política nos seus espaços de convivência?", questionou em artigo o representante de duas assembleias, a Legislativa e a de Deus (Ministério Madureira).

Não é bem assim, diz Gonçalves. Atletas não podem fazer campanha em estádios. Como igrejas, eles são reconhecidos pela lei eleitoral como "bens públicos de uso do povo", mesmo caso de cinemas e lojas, por exemplo. Nenhum desses pode servir de palco para propaganda eleitoral. Com informações da Folhapress.

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