Documentos inéditos revelam ação de ditaduras contra EUA

Segundo os papéis, os militares montaram uma reação em bloco, do qual o Brasil não quis participar, contra críticas de Carter sobre as violações de direitos humanos que ocorriam na região

© Reuters

Mundo REGIME MILITAR 10/06/18 POR Folhapress

Uma série de 16 documentos inéditos revela uma operação secreta nos anos 1970 entre ditaduras da América do Sul contra o governo do então presidente dos EUA, Jimmy Carter (1977-81). Segundo os papéis, os militares montaram uma reação em bloco, do qual o Brasil não quis participar, contra críticas de Carter sobre as violações de direitos humanos que ocorriam na região.

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Os documentos, que têm carimbo de secreto, foram obtidos pelo pesquisador Matias Spektor, colunista da Folha de S.Paulo e professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Os textos descrevem uma operação de codinome Faro a partir de 9 de maio de 1977, quando o presidente Ernesto Geisel recebeu uma carta do colega uruguaio. Aparicio Méndez (1904-1988) anunciou uma missão de seu enviado ao Brasil, o general Gregorio Alvarez (1925-2016), então chefe de divisão do Exército e que viria a governar o Uruguai em 1981 -o país sofreu um golpe de Estado em 1973.

Geisel recebeu a cartas das mãos de Alvarez em audiência no Palácio do Planalto. O uruguaio disse que seu governo estava preocupado com "as posições políticas assumidas pelo presidente Carter desde sua posse", em especial "a campanha relativa aos direitos humanos e as medidas concretas levadas a efeito contra alguns governos latino-americanos".

Alvarez disse a Geisel que havia um "perigo" entre medidas analisadas no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, pois os EUA queriam vincular a proteção dos direitos humanos à liberação de recursos. Propôs uma reunião dos presidentes da região e disse que o plano já tinha o apoio de Argentina, Paraguai e Chile.

No mesmo dia, segundo os documentos, Geisel convocou uma reunião no Alvorada com o chanceler brasileiro, Azeredo da Silveira, e os ministros e generais João Baptista Figueiredo (SNI), Hugo Abreu (Casa Militar) e Golbery do Couto e Silva (Casa Civil). Geisel decidiu que sua participação no esforço contra Carter seria "inoportuna e inconveniente".

"O quadro político brasileiro não é idêntico aos dos demais países do cone sul, que estão passando por uma etapa indispensável da repressão da subversão", disse. Além disso, "o Brasil sempre seguiu a política de não criar blocos [e] não participar de blocos" regionais, e um grupo como o sugerido "criaria desconfianças". Para Geisel, "é muito mais eficaz que os países atingidos por alguma dessas medidas tenha ação concertada, mas não pública".

No encontro, o general afirmou que Alvarez lhe explicou que a ideia era "uma ação destinada a convencer o governo norte-americano da necessidade de corrigir algumas de suas diretrizes, de modo a fortalecer o mundo ocidental".

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Geisel ponderou: "O resultado aparente final será a criação de um grupo para combater a atual administração norte-americana, o que trará graves danos à política bilateral com os EUA e o relacionamento dos países do cone sul com os demais do Ocidente". Para ele, "o que importava e ainda importa é quebrar o 'impetus' inicial da administração norte-americana, o que parece estar acontecendo".

Em seguida, Geisel determinou que o general Octavio Aguiar de Medeiros (1922-2005) levasse pessoalmente sua resposta durante reunião em Montevidéu de 12 a 16 de maio de 1977, com representantes do Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile e Paraguai. Medeiros disse depois que procurou mostrar, no encontro, "as dificuldades e os inconvenientes" de uma ação contra os EUA.

O general Alvarez retrucou falando do "desrespeito dos EUA à soberania" dos países e "a ameaça crescente da subversão e da expansão comunista no Ocidente". Segundo a documentação, naquele momento ficou claro que a iniciativa do bloco partira na verdade do Chile, que "propôs ao Uruguai que a patrocinasse".

Sob a ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006), o Chile já havia desencadeado na mesma época a Operação Condor, associação entre países latinoamericanos para localizar e matar opositores dos regimes militares locais.

Ao final da reunião, os participantes se manifestavam em favor da aliança. O Brasil, último a falar, se disse contrário, para surpresa dos presentes. O representante da Argentina disse que seu país também não faria parte da aliança.

Medeiros escreveu que "a situação de isolamento e abandono a que se sentem, principalmente esses dois países [Chile e Uruguai], em face da política exterior do atual governo dos EUA é a causa principal da iniciativa tomada".

"Qualquer referência" ao assunto "deverá ser feita, entre os países participantes, pela designação código Operação Faro", continuou, sem explicar o porquê do nome. Para Spektor, a decisão de Geisel se explica porque, "quando o regime militar brasileiro fazia sua abertura, os do Chile, Uruguai e Argentina estavam se fechando".

Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos gaúcho, disse que os papéis mostram uma contradição da ditadura brasileira. "Poucos meses antes, em março, o Brasil havia denunciado o acordo militar com os EUA porque o governo Carter criticara o país por sua política de direitos humanos". Com informações da Folhapress.

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