© Jonathan Ernst / Reuters
A três dias do começo da Copa do Mundo na Rússia, o país anfitrião acusou os Estados Unidos de estarem preparando um ataque contra a Síria, ditadura aliada de Moscou. O alerta foi feito pelo general Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa, e é quase idêntico a um outro feito pelo mesmo militar em março.
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Naquela ocasião, ele disse que rebeldes contrários ao ditador Bashar al-Assad tinham obtido gás de cloro para simular um ataque na região de Ghouta Oriental, que era um último bastião de resistência ao regime perto de Damasco. O objetivo seria incriminar Assad e forçar uma retaliação americana.
Se foi de fato uma armação ou apenas maquiavelismo extremo por parte de Assad e do Kremlin, não se sabe, mas o fato é que o roteiro se cumpriu quase que exatamente um mês depois, em abril.
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Houve um suposto ataque químico e os EUA lideraram uma retaliação com ajuda de franceses e britânicos, bombardeando alvos do governo sírio. Não foi nada que tenha mudado o rumo da guerra civil que se arrasta há sete anos, mas taticamente os EUA sinalizaram à Rússia que sua força instalada desde 2015 no país árabe para ajudar Assad não tem como impedir uma ação ocidental.
Nesta segunda (11), Konashenkov basicamente só acrescentou no enredo que tem informações de órgãos de inteligência de que forças especiais americanas, que operam na casa dos 2.000 homens na Síria, ajudaram o grupo rebelde Exército Sírio Livre a obter três cilindros de gás de cloro. E que pretendeu usá-los na região de Deir ez-Zor, para desencadear os mesmos eventos de abril.
A diferença é o momento. A Copa está para começar, e o governo de Vladimir Putin quer entregar um espetáculo impecável do ponto de vista de organização. Nenhum evento esportivo no mundo tem tanta audiência ou exposição de mídia quanto o campeonato e quaisquer más notícias ocorridas na área dos interesses russos no exterior seriam potencialmente desastrosas. A área de defesa russa tinha preocupação com incidentes do tipo na Ucrânia ou na Armênia, segundo reportagem da Folha de S.Paulo publicada em março.
A evolução dos eventos mostrou que a Síria é um campo mais fértil para esse tipo de especulação. Existe uma verdadeira paranoia entre autoridades russas acerca das intenções do Ocidente. Não se encontra nenhuma pessoa ligada à chamada comunidade de informações em Moscou, mesmo aquelas críticas a Putin, que tenha se convencido da explicação ocidental para o caso do espião envenenado com a filha no Reino Unido, em março.
O Reino Unido acusou Moscou de ter patrocinado o ataque, embora houvesse várias dúvidas justas acerca do que o Kremlin ganharia com ele. Ao fim, o episódio levou a uma inédita expulsão mútua de diplomatas entre vários países ocidentais e a Rússia. Os britânicos decretaram um boicote político à Copa, e a única expectativa de presença de peso em algum jogo do campeonato recai sobre a chanceler alemã, Angela Merkel.
Para complicar, o encontro do clube de nações ricas G7 na semana passada jogou ainda mais água fria na diplomacia russa. A reunião acabou com um rompimento por parte dos EUA de Donald Trump, mas viu críticas à Rússia se acumularem.
A ideia de um boicote geral à Copa, como sugeriu o sempre pirotécnico chanceler britânico, Boris Johnson, não prosperou. Mas o clima diplomático está horrendo para o Kremlin, e qualquer faísca que possa unir o nome de Putin a um evento como um ataque químico supostamente patrocinado por seu protegido Assad é capaz de iniciar um incêndio. Com informações da Folhapress.