© REUTERS/Agustin Marcarian
Na tarde de terça-feira (26), os alunos de Cássia Duarte se entreolharam quando a professora, do nada, comemorou um gol pela sala.
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Afinal, a seleção canarinho só entraria em campo no dia seguinte, e o país todo pararia para assistir ao jogo.
Mas a professora, no exercício regular de suas funções, se valeu de informações sopradas através da janela pelo porteiro da escola para poder vibrar com a vitória da Argentina sobre a Nigéria por 2 a 1.
"Desde criança sou apaixonada pelo time argentino por causa da minha avó, que se chamava Argentina, ainda que fosse brasileira", ri.
Durante o jogo Brasil e Sérvia, de folga em casa, Cássia tirou um cochilo. Nas Copas, ela só veste a camisa azul e branca -para espanto geral.
Rivais em campo há décadas, Argentina e Brasil disputam mais do que taças.
Ambas querem ser a nação mais boleira do mundo, o principal celeiro de craques do planeta e, é claro, o berço do maior jogador da história.
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Tamanha competição faz com que, para muitos, a admiração de um brasileiro pelo futebol dos hermanos tenha ares de traição ou sandice.
"Muita gente já me chamou de louco porque torço para a Argentina", conta o autônomo Alex Paulo da Silva, 40, quase tão fanático pelo time de Messi quanto pelo Corinthians.
"Sempre vi garra nos jogadores argentinos. Fui cativado por seu sofrimento e sua raça", explica ele, que, menino, torcia escondido com medo de represálias ou censura.
Dela não escapou o advogado Pedro Abramovay, 38. Num passeio com o filho pequeno no Rio, entre olhares estranhos e insistentes, um senhor os abordou. "Vocês são argentinos, né?". Diante da negativa, a indignação: "Então por que é que estão usando camisetas da Argentina?".
"Gosto do país, gosto dos argentinos, gosto de Maradona", justificou-se, sem sensibilizar o irritado torcedor canarinho.
"Meu filho não entendeu nada. Para ele, nosso rival é a Alemanha, que nos bateu por 7 a 1, e não a Argentina", relativiza Abramovay, que admira a seleção argentina, mas torce mesmo é para a brasileira.
Para o cartunista Adão Iturrusgarai, 53, que vive no país vizinho há 11 anos, não existe polêmica: ele torce para Brasil e para a Argentina. "Isso dobra as minhas chances de ser feliz. O problema é quando as seleções se encontram", diz.
Argentina e Brasil não se enfrentam numa Copa desde 1990, mas podem se encontrar nas semifinais deste ano.
Adão acha a rivalidade "boba", que parece ser mais intensa do lado de cá. Essa assimetria foi expressa pelo sociólogo argentino Pablo Alabarces na frase: "Os brasileiros amam odiar a Argentina, enquanto os argentinos odeiam amar o Brasil".
Tal lógica ficou evidente na pesquisa do sociólogo brasileiro Ronaldo Helal, 62, professor da Uerj que estudou a rivalidade futebolística a partir da imprensa.
"Os argentinos explicitam sua admiração pelos brasileiros, mas o contrário não ocorre. Se o Brasil não joga bonito, os argentinos lamentam no lugar de comemorar."
Helal diz que, no Brasil, Galvão Bueno é um dos responsáveis pelo acirramento da rivalidade ao reiterar que ganhar da Argentina é melhor do que vencer outros times.
Se, para alguns brasileiros, sobra entusiasmo pela garra argentina, pelos cantos da torcida, por Messi ou pela trajetória do anti-herói Diego Maradona, para outros foi o desgosto com o futebol brasileiro que os fez virar a camisa.
Os motivos vão dos escândalos de corrupção na CBF à atitude considerada antipática do ídolo Neymar."Corrupção por corrupção, Argentina e Brasil empatam. Mas os presidentes da CBF estragaram o futebol nacional", diz o produtor cultural Rafael Spaca, 37. Já o jornalista Rodrigo Durão Coelho, 47, frisa que a personalidade de Neymar afasta seu coração da seleção. "Ele é trapaceiro. Joga melhor que todo o mundo, mas prefere ficar simulando faltas."
Segundo o professor Newton César de Oliveira Santos, 53, autor de "Brasil e Argentina - Histórias do Maior Clássico do Futebol Mundial" (ed. Scortecci), a rivalidade entre as seleções "mascara um tremendo respeito e uma tremenda admiração das duas partes, que a gente evita reconhecer abertamente".
"A gente gostaria de ter a raça e o tipo de amor que a torcida argentina tem pela sua seleção. Por outro lado, eles adorariam jogar, não aquele tango, mas um futebol lúdico e alegre como o dos brasileiros."
Com informações da Folhapress.