© Rovena Rosa/Agência Brasil
O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), cancelou pagamentos de dívidas com fornecedores do estado anteriores a 2018. O decreto, inédito no governo estadual, foi publicado no Diário Oficial de 22 de junho.
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O pessebista suspendeu a transferência de recursos para contratos em aberto, mesmo de obras e serviços entregues. Ficam de fora da nova regra verbas comprometidas para saúde, educação e na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
O estado tinha R$ 3 bilhões de restos a pagar - como são chamadas despesas que viram o ano fiscal -, segundo relatório mais recente de execução orçamentária da Secretaria da Fazenda, de abril.
A medida afeta fornecedores que já concluíram serviços ou obras orçados em anos anteriores e que, por alguma razão, não foram quitados pelo governo. Para receber, esses credores, agora, precisarão recorrer à Justiça.
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O decreto pode afetar cerca de R$ 1 bilhão em faturas em aberto, segundo dados da Fazenda tabulados pela Agesp (Associação dos Gestores Públicos do Estado de São Paulo), que representa analistas de planejamento, orçamento e finanças. O valor exclui gastos em saúde e educação.
O Palácio dos Bandeirantes afirma que a medida visa atender orientações dos tribunais de contas sobre o princípio da anualidade: as receitas e as despesas devem ser previstas com base em planos e programas com duração de um ano. "A recomendação é reduzir os restos a pagar", diz o governo. "A medida não traz possibilidade de prejuízo a nenhum fornecedor e nenhuma despesa. Todas despesas e notas comprovadas serão pagas."
A Agesp considera o decreto um avanço no controle dos gastos públicos e observa que somente as pendências que não forem justificadas ao Planejamento e à Fazenda serão canceladas. Para os analistas, a decisão ajuda a coibir o uso abusivo dos restos a pagar.
"Há uma violação grave à lei 4.320 [que trata do controle dos orçamentos e balanços da União]. Não significa que o governo esteja dando um calote, porque a pessoa prejudicada pode ir ao Judiciário. Mas vai atrasar o pagamento dessa obrigação, que sofrerá correções monetárias e virará um precatório", diz Adib Sad, presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP.
A medida, diz Sad, não acende um alerta sobre as contas do estado -até porque, neste ano, a arrecadação tem superado a previsão orçamentária. "Pode significar uma situação financeira momentaneamente difícil ou uma eventual quebra no planejamento [de despesas]", ele comenta.
Para usar os valores retidos, o governo precisará editar novos decretos, remanejando esse recurso. A medida não esbarra na lei eleitoral e reajustes orçamentários podem ser realizados até o final do ano.
A austeridade é uma bandeira que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deixou o cargo para França em abril, apresenta como trunfo para sua pré-candidatura à Presidência. A arrecadação voltou a crescer e as contas paulistas fecharam 2017 com superávit de R$ 5,35 bilhões.
O governo França diz ter repassado R$ 293 milhões para os municípios–a maior parte para convênios de recapeamento de asfalto. No funcionalismo, concedeu gratificações a funcionários e liberou a base no Legislativo para votar favoravelmente à emenda constitucional que aumentou o teto salarial no estado, com impacto previsto de R$ 13,4 milhões neste ano.
Na terça (3), o governador anunciou contratações de agentes da educação que foram aprovados em concurso de 2015, mas ainda não tinha sido nomeados. Na quinta (5), foram agentes penitenciários.
O Bandeirantes trabalha com a chance de fechar o ano no vermelho. Quem falou na possibilidade foi o secretário de Planejamento, Maurício Juvenal, na Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa, no dia 26 de junho.
Isso porque o orçamento em execução considerou a venda de ações da Cesp (Companhia Energética de São Paulo)e da Sabesp. No entanto, a procura do mercado pelos ativos das estatais decepcionou.
Juvenal disse à reportagem, na semana passada, não estimar valores de um possível déficit -nos corredores do Legislativo, fala-se em R$ 4 bilhões.
José Roberto Afonso, pesquisador da FGV e especialista em contas públicas, diz que prefere não comentar o caso específico do cancelamento dos restos a pagar em São Paulo, mas afirma que a medida, na teoria, lhe parece incomum: "É estranho cancelar os restos processados, pois seriam compromissos firmes. Precisaria saber as razões. Mas, se forem reabertos no orçamento do ano seguinte como dotação do ano anterior, a transparência até seria valorizada".
Em 2004, no último dia de sua gestão na prefeitura de São Paulo, a hoje emedebista Marta Suplicy cancelou pagamentos a credores do município. O Ministério Público processou a ex-prefeita na época. No ano seguinte, primeiro do governo Serra, 12.875 credores reivindicaram suas dívidas com a administração. Com informações da Folhapress.