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"Uma coisa acontece dentro de mim para eu me colocar em determinada posição para escrever. Junto com essa coisa vem o que você sentiu, o que você amou, leu, e vem também um lastro de escolaridade, de cultura. Porque não existe 'não, escrever tem que ser espontâneo'. Qualquer cretino pode ser espontâneo. Então, eu acho que a literatura vem desse conflito entre a ordem que você quer e a desordem que você tem".
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Mediadora desse conflito em poesia e prosa, Hilda Hilst é a autora homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty de 2018, em uma edição que promete debater aspectos mais introspectivos, conectando-se a questões do corpo, da alma e do erotismo, sem abandonar debates de escopo social como o racismo e a igualdade de gênero.
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Em trechos como o citado acima, presentes na coletânea de entrevistas "Fico besta quando me entendem", a autora paulista mostra o bom humor, a intensidade e a profundidade que fazem de sua obra um desafio para os leitores interessados em investigá-la e em investigar-se.
"Quantas vezes, pessoas que eu tinha tanta vontade que entendessem o meu trabalho dizem: 'Hilda, eu não consegui saber do que se trata'. Então, eu imagino que exista também gradações de emoções e eu seja uma pessoa com uma intensidade meio desesperada, uma lucidez também desesperada", traz o compilado, organizado por Cristiano Diniz.
A curadora da Flip, Joselia Aguiar, acredita que a escolha da homenageada trará discussões mais existenciais e filosóficas ao evento, sem abrir mão da diversidade que marcou a edição anterior, que homenageou Lima Barreto, um autor negro cujo projeto literário tocou diretamente em questões sociais de um país marcado pelos séculos de escravidão.
"Essa Flip de 2018 está mais voltada para o mundo de dentro. A gente tem um programa plural com autores e autoras homens e mulheres, brancos e negros, conversando sobre questões como o amor, a morte, o desejo, a transgressão na arte, a escrita de si, e, ao mesmo tempo, mesas com debates mais candentes".
Os temas existenciais são também universais e partem da obra da própria autora para encontrar pontos de contato entre os convidados deste ano, que chegam das mais variadas partes do mundo como Rússia, Congo, Egito, Portugal e Argentina.
Essa literatura que dialoga com o mundo, no entanto, demorou a ter seu espaço reconhecido no Brasil. Morta em 2004, a escritora paulista não chegou a ver a grande notoriedade que seu nome adquiriu nos últimos anos, quando ganhou destaque na crítica, entre os leitores e na academia.
"A Hilda tem uma literatura um pouco mais complexa, escrita de um jeito que naquele momento não encontrou seus leitores, mas que hoje parece encontrar mais. Os leitores estão mais abertos a uma literatura que tem uma certa estranheza, que seja mais exigente", diz Joselia, que acredita que o isolamento da autora e o machismo também foram fatores importantes para que sua contribuição para a literatura brasileira demorasse a ser resgatada.
>> Confira a cobertura completa da Flip 2018
Escolhida para dialogar sobre a obra de Hilda Hilst em uma das mesas da festa, a poeta Júlia de Carvalho Hansen acredita que o convite ao intimismo da Flip, para acompanhar o da autora, deve vir junto de boas doses de bom humor e rejeitar qualquer melancolia. "Ela vai ser lida daqui a 500 anos. A obra dela é feita para um outro tipo de duração mesmo", diz a autora, que se sente tocada pela prosa poética da homenageada.
"Se eu pensar em autores fundamentais, ela está entre os meus cinco primeiros. É uma referência", diz. "O modo como a Hilda tratava as questões espirituais como sendo questões da matéria e como estava o tempo inteiro falando de coisas muito vivas como o corpo e o desejo e mexendo com questões como Deus, a morte e a transcendência".
A maior parte da obra de Hilda Hilst foi publicada pela editora Companhia das Letras a partir de 2017 e inclui prosa e poesia. A editora LPM tem os direitos sobre a produção para o teatro. Já as crônicas estão com a Nova Fronteira. Textos inéditos da autora ainda devem ser lançados, como diários e cartas que trocou com amigos.
A curadora da Flip recomenda a poesia como porta de entrada para a obra de Hilda Hilst, ou, antes disso, indica o livro de entrevistas citado no início dessa matéria.
"Talvez seja bom para conhecer a personalidade da Hilda, quem é essa autora incrível. Uma primeira aproximação do projeto dela antes de partir para a obra, porque a pessoa já se familiariza", destaca Joselia.
Já Júlia de Carvalho Hansen acha difícil identificar uma única porta no universo de Hilda Hilst. "Acho a Hilda muito direta, franca, honesta. Talvez eu possa recomendar o livro dela que mais me pega, o Do Desejo". Com informações da Agência Brasil.