'Temos obrigação de acolher', diz repórter sobre venezuelanos no Brasil

Patrícia Campos Mello afirmou ainda que há políticos que lucram com a xenofobia

© Reprodução 

Cultura flip 26/07/18 POR Notícias Ao Minuto

A descrença no papel do Estado abre espaço para discursos de ódio na política e para o surgimento de muros. O jornalismo, contudo, pode criar empatia para reverter um recrudescimento generalizado da xenofobia.

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Esse foi um dos temas discutidos no debate entre Ana Lemos, diretora-geral da ONG Médicos Sem Fronteiras, e a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha e autora do recém-lançado "Lua de Mel em Kobane" (Companhia das Letras).

"Não parece que os muros vão desaparecer tão cedo. Existe uma falta de confiança no Estado que dá espaço para esse discurso 'nós contra eles'", disse Lemos na conferência, que aconteceu na tarde desta quinta (26) na Casa Folha, na 16ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

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Já Campos Mello afirmou que há "políticos que faturam com o sentimento xenófobo". Ela respondeu a uma pergunta que veio de uma das ouvintes, que questionou qual seria a forma adequada de os brasileiros receberem o afluxo de imigrantes vindos da Venezuela. "Nós, que abrigamos refugiados europeus depois da Segunda Guerra, temos obrigação de acolher os venezuelanos", disse a jornalista, que foi aplaudida pelo público em casa lotada.

Repórter com experiência na cobertura de conflitos armados e crises humanitárias, Campos Mello detalhou seu trabalho em locais conflagrados na Síria pós-guerra civil e afetados pelo surto de ebola, como foi o caso de Serra Leoa em 2014. "Não acredito na isenção jornalística completa", disse. "Se você vê uma pessoa em extrema necessidade, é mais importante ajudar do que fazer matéria. Mas não é tão simples."

A jornalista foi indagada sobre o fotógrafo Kevin Carter, que cometeu suicídio em 1994 após ter feito uma famosa foto em que um urubu está à espreita de uma criança sudanesa faminta.

"O fato de ele ter se matado mostra bem o conflito do jornalista: sair do conforto de casa, entrar em contato com a desgraça dos outros e depois voltar", disse Campos Mello. "Um consolo pequeno é saber que mostramos que o problema existe."

De uma de suas viagens para a Síria, a repórter extraiu a história que conta em "Lua de Mel em Kobane".

O livro de 192 páginas narra a história de Barzan Isso e Raushan Khalil, casal de curdos exilados que, logo após o casamento, resolvem ir para Kobane, enclave cercado pelo Estado Islâmico. A cidade síria, de maioria curda, se tornou um símbolo da resistência contra o grupo terrorista.

A obra costura ao relato um panorama da guerra civil no país governado pelo ditador Bashar al-Assad desde que o conflito irrompeu, em 2011, como revolta popular aos moldes da Primavera Árabe.

Na Casa Folha, Lemos descreveu "cenários dantescos" que presenciou em Monrovia, capital da Libéria, durante a crise mais aguda do ebola. "As lojas e escolas estavam todas fechadas. Não se podia tocar em ninguém. Me lembrou de 'Ensaio Sobre a Cegueira', de José Saramago".

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