© REUTERS/Rodolfo Buhrer
Aclamado candidato do PT ao Planalto mesmo preso em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma carta à cúpula de seu partido neste sábado (4) em que afirmou que "querem inventar uma democracia sem povo", na qual as pessoas podem ser impedidas de escolher livremente o próximo presidente da República.
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No texto, lido pelo ator e militante petista Sérgio Mamberti, Lula disse que "já derrubaram uma presidenta eleita, agora querem vetar o direito do povo de escolher livremente o próximo presidente". "Querem inventar uma democracia sem povo", escreveu.
Preso há quatro meses para por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula tem coordenado, de dentro da cela, as principais movimentações da pré-campanha para abrir espaço a uma candidatura competitiva de seu partido. Seu nome deve ser impedido de concorrer com base na Lei da Ficha Limpa e, então, os petistas terão de lançar mão do plano B, que pode ser Fernando Haddad ou Jaques Wagner.
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Na carta, Lula não fez menção a opções nem a sua possível impugnação e disse que a convenção do PT, neste sábado, é "o encontro mais importante de toda a história do partido".
"Esta é a primeira vez em 38 anos que não participo pessoalmente de um encontro nacional do partido. Mas sei que estou presente por meio de cada um de vocês, cada dirigente, delegado e militante do PT".
O ex-presidente, que resiste em indicar um candidato a vice na sua chapa ao Planalto antes de 15 de agosto, data final para o registro das candidaturas, pediu "o empenho de todos" na empreitada eleitoral deste ano.
Durante a convenção, a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann (PR), fez um discurso inflamado, em que repetiu que vai registrar o petista em 15 de agosto como uma afronta ao que chamou de "sistema podre". Segundo Gleisi, não existe política no país hoje sem Lula ou sem o PT.
"É um momento histórico. Esta é a ação mais confrontadora contra esse sistema podre", disse a presidente petista. "Eles não vão conseguir tirar Lula desse jogo. Não existe política nesse país sem falar de Lula e sem falar de PT", completou.
Dirigentes do PT tentaram fazer do evento uma aclamação a Lula, sem discutir, no primeiro momento, divergências que rondam o partido desde sexta-feira (3), principalmente quanto à definição de um nome para vice na chapa petista e à candidatura de Marília Arraes (PT) ao governo de Pernambuco.
No entanto, ao longo de toda a manhã, em meio a vídeos e máscaras com o rosto do ex-presidente, dirigentes pressionavam a cúpula do partido, nos bastidores, a convocar uma reunião da executiva até segunda (6) para escolher um vice e evitar o confronto com a Justiça Eleitoral.
De outro lado, militantes gritavam o nome de Marília e iam contra a decisão da cúpula do PT de fazer um acordo nacional com o PSB, neutralizando a sigla na disputa nacional -o PSB estava perto de se aliar a Ciro Gomes (PDT)- em troca da retirada do nome de Marília na corrida em Pernambuco. Ali, Paulo Câmara (PSB) seria beneficiado em sua campanha à reeleição.
O ex-prefeito Fernando Haddad, possível plano B, também discursou. Afirmou que Lula "derrotou todos os golpistas" e que hoje está seguro de que o PT se encaminha para "o pentacampeonato eleitoral".
"Vamos ganhar a quinta eleição consecutiva com Luiz Inácio Lula da Silva", disse.
Já Jaques Wagner, também cotado como alternativa a Lula em caso de impugnação, não foi ao evento. A convenção do PT baiano também estava marcada para este sábado e Jaques é candidato ao Senado na chapa do partido no estado.
Confira a carta do ex-presidente Lula na íntegra:
"Companheiras e companheiros,
Esta é a primeira vez em 38 anos que não participo pessoalmente de um encontro nacional do nosso partido. Mas sei que estou presente por meio de cada um de vocês, cada dirigente, delegado e militante do PT.
Ao longo desses 38 anos nós construímos a mais importante força política que este país já conheceu. Porque nascemos das bases, da classe trabalhadora da cidade e do campo, lutando pela democracia e pela justiça. E nunca, nunca mesmo, nos afastamos do povo.
Chegamos ao governo pelo voto, depois de um longo aprendizado, para transformar o Brasil. E transformamos. Vencemos a miséria e a fome. Levamos água para quem sofria com a seca e luz elétrica para quem vivia nas trevas. Levamos as crianças para a escola e os jovens - negros, pobres e indígenas - para a universidade.
São coisas que parecem simples em qualquer país civilizado, mas que representaram uma enorme diferença para nossa gente sofrida. E isso só foi possível porque sempre colocamos os trabalhadores e os mais pobres no centro das atenções do governo.
Criamos um dos maiores e melhores programas de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família. Aumentamos o valor real do salario mínimo. Levamos crédito para os trabalhadores, os aposentados e para a agricultura familiar. Criamos 20 milhões de empregos.
Nos muitos governos anteriores ao nosso, a imensa maioria da população era tratada como se fosse um problema. Nós tratamos a nossa gente como solução, e por isso o Brasil mudou. Provamos que é possível fazer diferente e melhor do que sempre fizeram antes.
Hoje o nosso povo está sofrendo. A fome voltou a rondar os lares e muitos nem têm mais um lar: estão vivendo nas ruas, tornaram-se mendigos junto com os filhos. Milhões de trabalhadores desistiram de procurar emprego, porque não há. Milhões foram excluídos do Bolsa Família. As universidades e os hospitais vivem sua maior crise.
Hoje o nosso país está sendo vendido. Nossa Petrobrás, nosso pré-sal, a Eletrobrás, os bancos públicos; todos na fila para serem entregues a preço de banana aos grandes grupos estrangeiros, como já fizeram com a Embraer. Nossa politica externa voltou a ser ditada pelo Departamento de Estado norte-americano.
Hoje a nossa democracia está ameaçada. Há dois anos deram um golpe parlamentar para destituir a presidenta Dilma Rousseff, rasgando a Constituição. Agora querem fazer uma eleição presidencial de cartas marcadas, excluindo o nome que está à frente na preferência popular em todas as pesquisas.
Já derrubaram uma presidenta eleita; agora querem vetar o direito do povo escolher livremente o próximo presidente. Querem inventar uma democracia sem povo.
Este encontro nacional do PT talvez seja um dos mais importantes em toda a história do nosso partido. É enorme a responsabilidade que temos pela frente. A decisão de hoje vai nos conduzir a uma luta sem tréguas pela democracia, pelo povo brasileiro e pelo Brasil. E a vitória dependerá do empenho de cada um de nós.
Gostaria de estar aí para abraçar cada companheira e companheiro. Para agradecer por toda a solidariedade e principalmente por manterem aceso o espírito do PT, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. De onde me encontro, estou sempre renovando minha fé de que o dia do nosso reencontro virá, pela vontade do povo brasileiro.
Viva o Brasil!
Viva o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras!
Um abraço do Lula"