Estudo analisa roteiros de filmes para entender lucros e fracassos

Não que a busca pela fórmula da história perfeita seja uma coisa inteiramente nova

© REUTERS

Cultura Bilhetes 19/08/18 POR Folhapress

Como escrever um roteiro de cinema bem-sucedido? Pense em mostrar o protagonista se dando mal na primeira metade e, na segunda, uma trajetória de ascensão.

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Tenha em mente Michael Corleone, de "O Poderoso Chefão", que vê sua família de mafiosos ser destroçada no início até ele assumir os negócios e dar a volta por cima.

Essa fórmula, ancorada por análise de dados, é defendida por pesquisadores de um grupo de universidades, entre elas a de Cambridge, no Reino Unido. Neste ano, o grupo tentou prever o retorno financeiro de filmes a partir de seus roteiros e, assim, calcular os riscos do investimento.

"Além da intuição, não existem estudos que provem o fato de que certos tipos de história têm mais sucesso do que outras", diz Alexander Kharlamov, um dos autores do estudo. "Queríamos provar cientificamente que existem certos enredos que têm resultado melhor do que outros."

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Eles escolheram 6.174 roteiros de filmes, extraíram os diálogos e atribuíram valores negativos, neutros ou positivos às palavras conforme a emoção que elas expressam. Isso permitiu que se chegasse a seis tipos de arcos dramáticos.

Aquele que teve mais sucesso (medido por bilheteria, resenhas publicadas e notas em sites de avaliação) é o chamado "homem no buraco", que consiste em uma queda seguida por uma ascensão. Os pesquisadores incluem "O Poderoso Chefão" nessa categoria.

"A possibilidade de prever retorno do investimento de uma produção oferece uma segurança que até então não existia", afirma Kharlamov.

Mas, fora dos gráficos, quem atua na área do cinema é mais cético do que o pesquisador.

"Não há maneira objetiva de prever a recepção da audiência", diz o roteirista Bráulio Mantovani, autor de sucessos como "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus" e que trabalhou em títulos não tão bem-sucedidos assim, caso de "O Magnata" e "Querô". "Nosso negócio é sempre de alto risco."

Ele diz, contudo, que o estudo pode servir a executivos que queiram estipular orçamentos para os projetos. "É bom ter critérios objetivos, além da insubstituível intuição."

Gabriela Amaral Almeida, diretora e roteirista de "O Animal Cordial", teme engessamento. "Quando aparecem esses modelos, o escritor pode ser submetido a avaliação por parâmetros. Formatos inovadores podem cair por terra."

Mas Kharlamov se defende. "Quando os estúdios não podem prever o sucesso de seus investimentos, acabam apostando na fórmula", diz ele, lembrando que executivos podem destinar recursos a histórias que garantem retorno e ainda reservar o resto da verba para experimentações.

Não que a busca pela fórmula da história perfeita seja uma coisa inteiramente nova.

Morto em 2013, o americano Syd Field é autor de um manual incensado -e defenestrado na mesma medida- que prega um esqueleto do roteiro. Segundo ele, filmes devem estar ancorados em três atos, e as viradas têm de ocorrer dentro de certos intervalos mais ou menos fixos.

Mais unânime do que Field, o mitólogo Joseph Campbell é invocado com frequência nas aulas de roteiro.

Seus achados sobre a estrutura básica das narrativas mitológicas –a jornada do herói– foram vertidos em etapas, seguidas à risca por "Star Wars", "Indiana Jones" e filmes de super-herói.

O que a pesquisa coroa é a alta dos algoritmos no entretenimento, entoados como mantra no Vale do Silício.

O mesmo mecanismo que permite à Netflix sugerir atrações com base no histórico do usuário também possibilitaria construir a "narrativa perfeita". Já que a empresa conhece os hábitos de seus assinantes, ela também poderia saber quais as circunstâncias dramáticas que fazem uma série empolgar ou ser abandonada.

Isso em tese. A mesma Netflix, maior propulsora do emprego de algoritmos, também cancela seus seriados a rodo.

"Em Hollywood, nunca ouvi ninguém falar em algoritmo para sustentar qualquer projeto", diz o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, que já financiou longas de Brian de Palma, James Gray e concorreu ao Oscar por "Me Chame pelo Seu Nome", ainda neste ano.

Vindo do mercado financeiro, ele diz não haver estatística que quebre a sensibilidade. "Não é só o texto que vale, é quem dirigir, quem vai atuar. Ou então qualquer um faria do remake de 'O Poderoso Chefão' uma obra-prima."

Diretor e roteirista, Fábio Baldo invoca o clássico de Francis Ford Coppola dos anos 1970 como um ponto fora da curva. "Ele é fruto de um período calcado na ousadia temática e formal", diz.

Baldo cita sucessos mais atuais, como "O Cavaleiro das Trevas", de 2008, que gerou fuzuê mais por seu Coringa, vivido por Heath Ledger, do que pelo Batman. "A figura do anti-herói precisava de reinvenção na tela. O vilão é quem dita o tom." Sobre o último "Star Wars", ele lembra quanto a narrativa dividiu os fãs e descontentou os que esperavam a "reprodução da fórmula".

Na hora de escrever, não há receitas, mas princípios, segundo o roteirista Thiago Dottori. Toda cena tem de colocar o protagonista contra a parede, o personagem precisa ter empatia com o público, a história tem de avançar e, no caso de série, os episódios têm de terminar com um gancho.

"Mais importante do que determinar em que trecho a história tem de passar por virada é construir uma virada que tenha qualidade", diz Dottori.

Professor na Academia Internacional de Cinema, Paulo Marcelo do Vale discorda da metodologia do estudo ao vincular valores às palavras ditas nos filmes. "O computador talvez não entenda o subtexto."

O roteirista diz que a originalidade das histórias "não vem das coisas que acontecem ao personagem, mas da forma como ele reage às mudanças". "E um personagem interessante nunca poderá ser criado por um computador."

Rodrigo Teixeira ainda invoca o fracasso do produtor Ryan Kavanaugh, que na década passada seduziu estúdios com a promessa de ter um modelo computacional capaz de prever o êxito de qualquer longa.

Sua empresa, a Relativity Media, lançou bombas como "Missão Quase Impossível", "A Trilha" e "O Caminho do Guerreiro" e pediu falência duas vezes, não sem antes ter iludido investidores em Hollywood.

Outrora parceiro de farra de Bradley Cooper e Natalie Portman, Kavanaugh hoje é proscrito da calçada da fama -outro capítulo na história de uma indústria que tenta achar segurança num mercado bastante imprevisível. Com informações da Folhapress.

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