Efeitos da crise na Turquia podem chegar ao Brasil; entenda

A economia turca enfrenta o alto endividamento externo em dólares (US$ 429 bilhões), o elevado déficit comercial (US$ 38 bilhões em 2017) e a alta inflação

© Reuters

Economia Incerteza 26/08/18 POR Ansa

A Turquia enfrenta uma das maiores crises econômicas de sua história, e o cenário de incerteza provoca uma cadeia de efeitos que chega ao Brasil. A ANSA ouviu especialistas que analisaram como fatores políticos influenciam na desvalorização de 40% da lira frente ao dólar e os desdobramentos das turbulências no país.

PUB

Qual é o cenário atual na Turquia?

A economia turca enfrenta uma combinação explosiva de problemas: o alto endividamento externo em dólares (US$ 429 bilhões), que representa quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e é agravado pela valorização da moeda norte-americana; o elevado déficit comercial (US$ 38 bilhões em 2017); e a alta inflação, que chegou a 16% em 2018.

No começo deste mês, o governo diminuiu a previsão de crescimento do PIB de 5,5% para 4% em 2018, o que representa uma queda de mais de três pontos percentuais com relação ao resultado de 2017 (7,4%). A redução será provocada pela duplicação das tarifas alfandegárias dos Estados Unidos sobre a importação de aço e alumínio turcos, motivada oficialmente pela prisão do pastor norte-americano Andrew Brunson.

O religioso, que vive na Turquia há 23 anos, é acusado de envolvimento na tentativa de golpe de Estado ocorrida em 2016. Ancara se recusa a libertá-lo e, por isso, sofre sanções econômicas de Washington.

A resposta do governo turco foi a taxação das importações de carros, bebidas alcoólicas e tabaco norte-americanos, que somam US$ 533 milhões. O presidente Recep Tayyip Erdogan acusa os Estados Unidos de atacarem a economia turca e também anunciou um boicote a produtos eletrônicos do país.

"Em uma situação de elevado risco político, há dificuldade de captação de recursos pela Turquia, o que leva à desvalorização da lira, gerando maior saída de capitais. Esse processo resulta em um círculo vicioso que só pode ser interrompido por uma ação decidida na gestão macroeconômica, algo que o governo turco não parece disposto a fazer", diz o professor Clemens Nunes, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Medidas adotadas para conter a crise inflacionária por países como Brasil, nos anos 1990, e Argentina, nesta década, como o aumento da taxa de juros e empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), atrelados a políticas "amigáveis" aos investidores, não parecem estar em questão pelo governo.

O ministério das Finanças do país é comandado pelo genro de Erdogan, Berat Albayrak, e a liberdade de imprensa está comprometida, o que faz com que a mídia local não questione as políticas do Estado.

"Na visão do governo turco, a elevação da taxa de juros terá efeitos negativos para o conjunto da economia nacional, encarecendo o financiamento interno para a produção, inibindo o consumo e majorando os serviços da elevada dívida do país. A economia turca vive um importante momento de crescimento econômico que resulta em capital político para o governo", explica Arnaldo Francisco Cardoso, professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A atual taxa de juros no país é de 17,75%, e o Banco Central resiste em aumentá-la por influência do presidente.

Como a crise atinge o Brasil?

A Turquia, assim como o Brasil, é considerada um país emergente. A perda de confiança do mercado em nações deste "grupo" afasta investidores e diminui o crédito, o que pode causar a desvalorização das moedas locais.

"O Banco Central pode ser forçado a elevar os juros se estes efeitos [a desvalorização do real e a falta de crédito] forem pronunciados. A escalada do protecionismo pode reduzir o volume global de comércio e afetar as exportações brasileiras", explica Clemens Nunes.

Desde agosto, quando as taxas norte-americanas foram anunciadas, a cotação do dólar passou de R$ 3,70 para R$ 4,10, o que representa uma alta de 10%. O resultado também foi influenciado pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, que valorizou a moeda norte-americana em todo o mundo.

"A economia brasileira, embora com problemas, vive situação menos preocupante que a da Turquia, pois dispõe de consistentes reservas cambiais da ordem de US$ 380 bilhões, e seu sistema financeiro apresenta números que indicam equilíbrio", ressalva Arnaldo Francisco Cardoso.

+ Real volta a se desvalorizar por causa de eleições

O resultado da valorização da moeda norte-americana é o aumento dos custos de importação de insumos importantes para a nossa economia, como o trigo. "O encarecimento dos produtos para consumo interno, que vai do pão francês na padaria aos pisos cerâmicos para a construção civil, pressiona a inflação para cima e também aumenta os desembolsos em reais sobre financiamentos contraídos em dólares, inibindo novos investimentos do produtor nacional", afirma Cardoso.

Outro fator de inibição é a incerteza causada pelas eleições presidenciais, que serão realizadas em outubro. "A perspectiva de o novo governo não realizar ajuste fiscal importante agravaria a situação econômica do país, com mais desvalorização, inflação e recessão", diz Nunes.

Entenda a crise

A crise econômica na Turquia é resultado de uma série de turbulências políticas ocorridas desde 2013, quando um escândalo de corrupção no governo Erdogan motivou protestos que exigiam a renúncia do então primeiro-ministro.

Erdogan acusou o "Movimento Gulen", grupo político liderado pelo clérigo islâmico turco Fethullah Gulen e que tem como principal proposta o acesso universal à educação, de estar por trás das investigações. Para o presidente, o fim da aliança política entre o seu partido, o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, em turco), e Gulen teria motivado o grupo a tentar desestabilizar o governo.

Desde então, o governo passou a prender juízes, promotores e jornalistas sob a alegação de que eles estariam trabalhando em nome de um "Estado paralelo". Cerca de 20 mil professores de instituições de ensino privadas perderam o direito de trabalhar por suspeitas de envolvimento com o movimento.

Em julho de 2016, facções militares tentaram tomar o poder no país durante uma viagem de Erdogan ao Paquistão, mas foram derrotadas por forças leais ao governo. O palácio presidencial e o parlamento turcos chegaram a ser bombardeados, e houve uma tentativa frustrada de assassinato a Erdogan. Cerca de 300 pessoas morreram nos combates e outras 2,1 mil ficaram feridas.

O presidente atribuiu a investida a Gulen, que condenou a tentativa de golpe, mas passou a ser classificado como terrorista. Os departamentos de inteligência britânicos e russos apontaram que membros do movimento estavam entre as forças que tentaram depor Erdogan, mas não encontraram evidências de que o grupo tenha apoiado a tentativa de tomada de poder.

A vitória do governo foi seguida pelo endurecimento do regime, que fechou mais de 100 veículos de imprensa e prendeu cerca de 15 mil pessoas, entre elas o pastor evangélico norte-americano Andrew Brunson, acusado de pertencer ao Gulen.

O religioso foi condenado a 35 anos de prisão por terrorismo e teve sua libertação solicitada por Washington, mas o pedido não foi atendido. A recusa deu início a negociações que duram até hoje.

A situação foi agravada pelo assassinato do embaixador russo na Turquia, em dezembro daquele ano, durante uma exposição de fotografia em Ancara. Mevlüt Mert, um ex-policial turco, usou suas credenciais para conseguir se aproximar do diplomata Andrey Karlov e atirou contra ele enquanto gritava a frase "Allahu Akbar" (Deus é o maior de todos, em árabe), além de dizer: "nós morremos na Síria, você morre aqui".

O atirador foi morto por policiais turcos, e o atentado foi apontado por Erdogan como de responsabilidade do Movimento Gulen, apesar de evidências mostrarem relação com o apoio russo ao governo sírio, que é combatido por grupos rebeldes em uma guerra civil.

Em 2017, Erdogan chegou a propor a troca da libertação de Brunson pela extradição de Gulen, que vive na Pensilvânia desde 1999, mas o pedido não foi aceito. Mais tarde naquele ano, o vice-presidente norte-americano, Mike Pence, afirmou que a Turquia sofreria "sanções significativas" caso não libertasse o pastor. As punições vieram em 2018, com a tarifação das importações do aço e alumínio turcos em 20% e 50%, respectivamente.

Assim, as relações de dois aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) vão se deteriorando, o que pode ter efeitos como o enfraquecimento das barreiras à passagem de refugiados sírios pelo território turco, que é temida por países como Alemanha e França, além de aproximar o país, que fica entre a Ásia e a Europa, da Rússia.

Erdogan convidou, na última sexta-feira (24), o presidente Vladimir Putin para visitar o país e já firmou parcerias militares com empresas russas, incluindo o fornecimento de sistemas antimísseis S-400, comprados por Ancara na última semana. (ANSA)

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

economia Dinheiro Há 8 Horas

Entenda o que muda no salário mínimo, no abono do PIS e no BPC

mundo Estados Unidos Há 8 Horas

Momento em que menino de 8 anos salva colega que engasgava viraliza

fama Patrick Swayze Há 22 Horas

Atriz relembra cena de sexo com Patrick Swayze: "Ele estava bêbado"

brasil Tragédia Há 9 Horas

Vereador gravou vídeo na ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira pouco antes de desabamento

fama Mal de parkinson Há 23 Horas

Famosos que sofrem da doença de Parkinson

fama Emergência Médica Há 9 Horas

Gusttavo Lima permanece internado e sem previsão de alta, diz assessoria

tech Aplicativo Há 8 Horas

WhatsApp abandona celulares Android antigos no dia 1 de janeiro

brasil Tragédia Há 8 Horas

Mãe de dono da aeronave que caiu em Gramado morreu em acidente com avião da família há 14 anos

fama Condenados Há 16 Horas

Famosos que estão na prisão (alguns em prisão perpétua)

justica Minas Gerais Há 8 Horas

Motociclista tenta fugir de blitz e leva paulada de policiais; vídeo