Há 20 anos, UFRJ recusou verba para reforma de museu incendiado

Essa história só veio à tona porque o dono da proposta diz estar revoltado com o descaso

© Reprodução

Brasil Museu Nacional 04/09/18 POR Folhapress

Destruído pelo fogo, o Museu Nacional já recebeu uma oferta milionária do Banco Mundial para reforma e modernização de sua estrutura.

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Essa história só veio à tona porque o dono dela diz estar revoltado com o descaso que culminou na destruição de 90% do acervo da instituição no incêndio do último domingo (2).

O museu está instalado em um palacete imperial e completou 200 anos em junho -foi fundado por dom João 6º em 1818. Seu acervo, com mais de 20 milhões de itens, tinha perfil acadêmico e científico, com coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica. Menos de 1%, porém, estava exposto e foi queimado por um incêndio cujas causas estão sob apuração da Polícia Federal.

Israel Klabin, 91, ex-presidente do grupo Klabin (papel e celulose), foi quem conseguiu o cheque de US$ 80 milhões do Banco Mundial para financiar a reforma do museu em meados dos anos 1990. Na cotação atual, o valor seria o equivalente a R$ 332 milhões.

Klabin disse à reportagem do Journal Brazil que chegou a trabalhar no pré-projeto que seria apresentado à instituição financeira para o recurso ser liberado.

No entanto, o dinheiro nunca saiu do papel por um veto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a responsável pela gestão da instituição museológica.

Segundo Klabin, o Banco Mundial impôs uma condição para autorizar o recurso: a UFRJ teria de entregar a administração do museu, que passaria a ser uma organização social.

Na prática, o museu se tornaria uma associação privada sem fins lucrativos que presta serviços de interesse público. "Os professores e membros influentes da UFRJ foram contra", disse o empresário.

A UFRJ foi procurada pela Folha de S.Paulo, mas, até esta publicação, não havia se manifestado sobre as declarações de Israel Klabin.

O empresário tinha trânsito com o então presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, também seu amigo, e com o setor público -Klabin foi prefeito do Rio entre 1979 e 1980.

O empenho de Klabin em reformar o palácio tinha também um motivo mais de ordem afetiva. Foi na então Universidade do Brasil, hoje conhecida como UFRJ, que o executivo cursou engenharia civil e matemática.

Pelos entraves que barraram a reforma, e, agora, com o incêndio que destruiu o museu, o executivo disse ao Brazil Journal que está com raiva do Brasil.

"Sabe o que vai acontecer agora? Vai acontecer a mesma coisa com o Jardim Botânico, com a Biblioteca Nacional e várias outras instituições herdadas por um governo incapaz e ineficiente. Estamos vivendo em um estado cartorial. O Brasil inteiro nas mãos de governos ineficientes cuja gestão é sempre politizada."

MANUTENÇÃO PREJUDICADA

A falta de recursos é uma das causas que levaram o museu ao colapso. Os repasses caíram praticamente à metade nos últimos cinco anos: de R$ 1,3 milhão, em 2013, para R$ 643 mil, no ano passado.

A queda próxima de 50% foi maior do que a do total destinado pela União a um conjunto de 25 museus sob sua responsabilidade, que perderam 10% dos recursos. Ela ficou acima também dos cortes de outros investimentos federais.

Os dados foram levantados pela Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, com base no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo federal. A Folha corrigiu os valores pela inflação do período, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Os recursos recebidos pelo Museu Nacional se referem a repasses da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que recebem verba do Ministério da Educação, e do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), ligado ao Ministério da Cultura, para itens como capacitação de servidores, concessão de bolsas de estudo, reestruturação, expansão e modernização da instituição.

O pró-reitor de Planejamento e Finanças da UFRJ, Roberto Gambine, disse nesta segunda (3) que a universidade não tem recursos suficientes para fazer a manutenção de seus 15 prédios tombados no Rio. Ele diz temer que o destino dos demais edifícios seja o mesmo do Museu Nacional.

Segundo o pró-reitor, o orçamento da UFRJ vem caindo ano a ano e a universidade não recebe verbas extras para a manutenção dessas unidades históricas.

Gambine informou que o orçamento da UFRJ em 2016 foi de R$ 450 milhões. No ano seguinte, caiu para R$ 420 milhões. Neste ano, o orçamento foi fixado em R$ 388 milhões e a previsão para o ano que vem é de R$ 364 milhões.

"Esse orçamento, que cai ano a ano, estrangula a universidade e coloca em risco a preservação dos nossos 15 prédios tombados. O país não vai aguentar muito tempo com esse teto de gastos imposto pelo governo de Michel Temer", disse ele.

Especificamente sobre o Museu Nacional, Gambine explicou que os gastos com pessoal, terceirizados e bolsas de pesquisa entram no orçamento geral da UFRJ.

Uma outra parte do orçamento da universidade é dividida por seus diversos setores. A divisão é feita com base em determinados critérios, como tamanho do campus, quantidade de alunos, de funcionários e de bolsas de pesquisa. Essa divisão, explicou Gambine, é feita com base em uma matriz fixa desenvolvida há dez anos.

Como a realidade orçamentária da universidade é outra, haveria a necessidade de se mudar esses percentuais a fim de garantir mais verbas para prédios históricos, como o Museu Nacional, o prédio da Escola de Música, na Lapa, e do Ifics (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), no centro do Rio.

A secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, deu outra versão sobre a falta de verbas da UFRJ. Segundo ela, entre 2015 e 2017, o orçamento da universidade aumentou 15% em termos nominais (sem levar em conta a inflação).

"Importante dizer que temos que enfatizar a discussão sobre prioridades de gastos e de melhorias no processo de discussão de alocação de recursos públicos, que todos sabemos são finitos", afirmou Vescovi.

Ela afirmou que, em 2019, o orçamento do MEC aumentará em cerca de R$ 10 bilhões, para R$ 122 bilhões, e que a regra fiscal que limita o aumento das despesas à inflação protege a educação.

"Temos uma situação ímpar, onde saúde e educação são áreas protegidas constitucionalmente, que têm garantida de aplicação mínima constitucional da regra do teto de gastos", afirmou. "Temos que fazer a discussão sobre alocação de recursos, prioridades e também sobre possíveis espaços para parcerias com o setor privado". Com informações da Folhapress.

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