Latrocínios caminham junto com epidemia de roubos de SP

Especialistas afirmam que os latrocínios são um dos tipos de crime que mais interferem na sensação de segurança da população

© Shannon Stapleton/Reuters

Justiça Segurança Pública 18/09/18 POR Folhapress/FLÁVIA FARIA

FLÁVIA FARIA - Na noite de 9 de abril de 2013, Marisa Deppman e o marido, José Valdir, jantavam no apartamento da família, no Belenzinho, zona leste de São Paulo. Por volta das 20h30, ouviram um barulho. Valdir disse que era um tiro. Marisa achou que era besteira. Disse a ele que mais parecia um estampido, nada grave.

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Segundos depois, o interfone tocou: o filho mais novo do casal, Victor Hugo Deppman, de 19 anos, acabara de ser baleado na porta do edifício.

Não era para Victor estar ali naquele momento. Geralmente, ficava no estágio até tarde da noite. No dia 9, porém, preferiu sair mais cedo para estudar para uma prova.

Quando chegava ao portão do prédio, foi abordado por um rapaz armado, que pediu que entregasse o celular.

Victor entregou o aparelho sem oferecer nenhuma resistência. Ainda assim, o assaltante atirou. A bala atingiu a cabeça do estudante, que morreu horas depois.

"Eu não vou esquecer nunca quando botei a mão no peito do meu filho e não senti o coração batendo. Mas eu prometi que ele seria lembrado, que não seria só uma estatística", diz Marisa, 55, que lançou livro com mensagens psicografadas do filho e se tornou ativista pela redução da maioridade penal, hoje em 18 anos.

O assassino, que completaria 18 anos dias depois do crime, se entregou à polícia e cumpriu medida socioeducativa na Fundação Casa.Cinco anos separam a morte de Victor da de Robert Braga, de 16 anos, mas as circunstâncias são quase as mesmas.

No último dia 10 de agosto, Robert foi entregar um cartão de Bilhete Único a um amigo na Freguesia do Ó, bairro na zona norte de São Paulo.Na volta, à noite, foi assaltado por dois homens em um carro. Eles pediram que entregasse o celular e, assim como Victor, Robert o entregou.

Imagens de uma câmera de segurança mostram que, logo depois, o garoto correu em direção aos assaltantes, como que para pegar o celular de volta. Eram dois homens armados contra um adolescente magro e franzino, que dificilmente ofereceria algum risco.

"Mas atiraram na boca do meu filho, um menino bom, que era só sorrisos", lamenta o pai, Eric Luy Braga, 36.No mês de agosto, outros dois jovens morreram durante roubos a celular na Grande São Paulo: Paula de Freitas Silva, 18, em Santo André, e Leonardo Costa Matos, 19, em Embu das Artes. Nenhum dos dois reagiu aos assaltos.

Outro caso recente provocou comoção: no dia 5 deste mês, a médica Maria Eliza de Alencar, 57, foi morta após ser atropelada e arrastada pelo próprio carro em uma tentativa de roubo no Campo Belo, zona sul de São Paulo.Os relatos chocam pela brutalidade e pela banalidade com a vida das vítimas. Em 2018, até julho, foram 89 casos na capital e região metropolitana (redução de 36% em relação aos registros do mesmo período de 2017).

Em comparação, houve 779 homicídios dolosos e quase 145 mil roubos -são mais de 1.600 roubos para cada registro de latrocínio.

Apesar de pouco frequentes, especialistas afirmam que os latrocínios são um dos tipos de crime que mais interferem na sensação de segurança da população. Em geral, são casos chocantes e explorados pela imprensa e têm um perfil de vítima variado. Por isso, passam a impressão de que são muito frequentes e podem acontecer com qualquer um, em qualquer lugar.

"Latrocínio é o roubo que não deu certo. O percentual de roubos que terminaram em morte geralmente é bem baixo, não chega a 0,1%. Só que todo mundo conhece alguém que foi roubado, então há a sensação de que tudo pode acontecer, mas não é tão comum", diz Ana Carolina Pekny, pesquisadora do Instituto Sou da Paz.

Uma análise da evolução dos números de roubos e latrocínios em São Paulo mostra que os dois crimes caminham juntos, ainda que as altas e quedas por vezes aconteçam em proporções diferentes.

Quanto mais roubos, maior a chance de que eles terminem com a morte da vítima. "As pessoas têm ideia que [latrocínio] acontece em regiões nobres, mas não, é bem espalhado pela cidade. Vai acontecer onde acontecem mais roubos: nas áreas mais periféricas ou no centro", diz Ana Carolina.

Desde 2014, quando os roubos cresceram 18% -e os latrocínios, 5%-, São Paulo vem enfrentando altos índices de assaltos.Os números caíram no ano passado (redução de 9%), mas ainda assustam: na cidade de SP, foram contabilizados 1.528,4 roubos para cada 100 mil habitantes. Para efeito de comparação, a taxa de mortes violentas na capital é de 11,1.

Como estão associados, a melhor forma de prevenir latrocínios é prevenir roubos, afirmam pesquisadores.Algumas políticas públicas, porém, contribuem para evitar que os assaltos terminem na morte da vítima.O principal deles, afirma Marcelo Bastista Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é o controle de armas. Em 2016, segundo levantamento do Sou da Paz, nove a cada dez latrocínios na cidade de São Paulo envolveram armas de fogo.

Outro ponto é a ressocialização eficaz no sistema prisional. Segundo o pesquisador, estudos indicam que boa parte dos autores são adolescentes ou jovens com antecedentes criminais, que muitas vezes cometem o crime sob efeito de drogas.

"Isso mostra que a política pública de integração social de pessoas que já passaram por sistema penitenciário é muito frágil. Se o Estado os integrasse de melhor forma, a chance desses jovens voltarem a se envolver em crimes seria potencialmente menor", diz.

Em nota, a Secretaria de Segurança de São Paulo destacou que as políticas adotadas (não especifica quais) possibilitaram a redução dos índices de latrocínio nos sete primeiros meses de 2018 (considerando a capital e a região metropolitana, houve queda de 36% em relação ao mesmo período de 2018).A pasta diz que a delegacia especializada na área efetuou prisões de 14 suspeitos neste ano. Sobre o caso envolvendo Robert Braga, informou que os dois suspeitos do crime estão presos. Com informações da Folhapress.

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