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De todas as grifes do luxo, a Gucci é hoje a única que pode se gabar de ser adjetivo e substantivo no vocabulário da cultura. "Estilo Gucci", escrevem jornais quando querem definir coleções que reverenciam o vintage-chique criado pela marca em 2015. "Gucci Gucci" e "Gucci Please", ecoam nas rádios os dois hinos do hip hop contemporâneo escrito pelos rappers Kreayshawn e, perceba o ápice dessa mania, Gucci Mane.
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A marca virou símbolo do "cool", da estética teatral aplicada à moda, e, por isso, seu primeiro desfile na semana de moda de Paris parou a região dos Grands Boulevards, em Montmartre, e transformou, na noite de segunda-feira (24), o lendário teatro Le Palace em centro do ufanismo fashion no hemisfério norte.
Os porquês dessa loucura estavam descritos em cada detalhe do espetáculo visual proposto pelo autor da guccimania, o estilista italiano Alessandro Michele. Midas do império e cabeça do faturamento de R$ 27 bilhões do grupo Kering (também dono da Balenciaga), só no primeiro semestre de 2018, o designer retratou o desencanto da juventude para a qual corta panos.
A peça começa no palco. Uma tela de cinema em formato quadrado, as mesmas dimensões dos retratos do Instagram, exibia um curta encardido, como se filmado em Super 8, no qual um homem e uma mulher se autoflagelam numa "bad trip", anestesiados por alguma droga que bateu mal.
"Decadência com elegância" define a coleção que, paulatinamente, surgia no corpo dos modelos estranhos da Gucci, que iam entrando pelos fundos do teatro em direção ao tablado, logo após o fim dos gritos do casal daquele filme.
Releituras da indumentária dos roqueiros Woodstock, com direito a chapéu tipo Janis Joplin e jaquetas bordadas adornadas com franjas tipo as de Jimi Hendrix, arremataram os conjuntos de alfaiataria.
Ora tingidas com cores berrantes, ora embebidas com os logos da Gucci, as peças falavam da nostalgia desse ideal de paz e amor cantado nos festivais de antigamente, uma fantasia cortada pelo conservadorismo que ascendeu no pós-11 de setembro.
Assim, o espaço do teatro dialoga com a ideia de fim de festa, já que ali foi gestado, no final dos 1970 e início dos 1980, a cena underground da Europa O Le Palace, espécie de Studio 54 de Paris, foi ponto de encontro da juventude lisérgica enebriada pelo glamour da disco music.
"Qualquer teatro é um lugar mágico, onde você escapa de tudo o que acontece lá fora na rua. O Le Palace, ao mesmo tempo, foi palco das noites sem fim, onde as pessoas se permitiam entrar num mundo paralelo", disse Alessandro Michele a um grupo de jornalistas após o desfile.
Sexo, diversão e folclore se unem nas roupas aparentemente fantasiosas que, quando desmembradas, revelam ícones pop. Uma bolsa em formato de cabeça de Mickey, o personagem do sonho Disney, se mistura na coleção ao look rosa com o rosto de Dolly Parton, ícone do country americano. A barbie e o personagem enlatado de desenho animado estão no mesmo plano de ideias, ironicamente justapostas a camadas do visual libertário de um tempo perdido.
Garotos nerds com suas camisas bufantes usam jockstraps de couro, referência ao masoquismo Tom of Finland dos anos 1980. Tudo combinado como oposições de o mesmo tema da decadência da juventude sem direção, sem modelos a quem recorrer. Dessa melancolia sai Jane Birkin, um dos ícones da juventude daquele tempo, que levantou da plateia para cantar "Baby, Alone in Babylone", vocalizando o discurso de Michele.
"Bebê, sozinho na Babilônia, afogado sob as ondas de Malibu. Pequena estrela desconhecida, você só viu a estrela da polícia federal." Com informações da Folhapress.