'Minha família queria que eu virasse um soldado', diz Ai Weiwei

Artista chinês fala, em São Paulo, sobre o cerceamento da democracia e sonhos eróticos no Brasil

© Pierre Albouy/Reuters

Cultura Arte 11/10/18 POR Folhapress

"Sou um artista mas sempre me perguntam de política", diz Ai Weiwei. Foi com bom humor que o artista plástico e ativista chinês abriu sua conferência no Fronteiras do Pensamento, nesta quarta-feira (10) à noite, no Teatro Santander, em São Paulo. 

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Um dos principais nomes na defesa da liberdade de expressão e dos direitos humanos no cenário internacional, Ai Weiwei foi entrevistado ao vivo pelo produtor Marcello Dantas, curador da exposição "Raiz", que abre em 20 de outubro, na Oca, e é a maior mostra sobre seu trabalho já realizada.

Às risadas contidas da plateia que se seguiram à primeira participação de Weiwei, ele emendou uma fala séria a respeito do estado da democracia na sociedade de hoje. "Estamos em uma situação muito difícil. Nossos valores, o que amamos e com o que nos importamos podem ser tomados da gente com muita facilidade. Por isso sinto que, em geral, as pessoas estão muito frustradas". 

Nas palavras dele, o cerceamento do estado democrático é "uma nova condição global" que vem acontecendo em vários lugares do mundo: Estados Unidos, Alemanha, Suécia e aqui no Brasil. "Levamos bastante tempo para chegar nessa situação, porque negligenciamos o significado da chamada democracia por muito tempo, e os políticos usaram esse vácuo para ganhar popularidade". Ele afirmou que a globalização e a divisão de poder e riqueza entre ricos e pobres é uma das grandes responsáveis pelo estado geopolítico do mundo de hoje.

Weiwei ocupa posição privilegiada para falar de perda de direitos civis, já que viveu na pele a perseguição do Estado chinês, mais de uma vez. Passou seus primeiros 20 anos de vida no deserto de Gobi, onde o pai, o famoso poeta Ai Qing, foi forçado a se exilar em 1958 por ser perseguido pelo governo.

Em 2011, já um artista consagrado internacionalmente por obras críticas ao regime chinês, a exemplo das fotografias que registram o momento em que quebrou intencionalmente um vaso de 2.000 anos da Dinastia Han, foi preso no aeroporto de Pequim e passou os quatro anos seguintes em prisão domiciliar, sem poder sair do país. Foi liberado em 2015, quando se mudou para Berlim, onde vive hoje. 

"Eu não queria ser artista quando era criança, porque o meu pai era um mas ele era perseguido. Minha família queria que eu virasse um soldado, que representa a elite na sociedade chinesa", contou. O artista viria a passar doze anos em Nova York, de 1981 a 1993, época em que começou a formar sua personalidade artística. "Quando eu estava indo para o aeroporto para pegar o voo até Nova York, disse para a minha mãe que dez anos mais tarde ela veria um novo Picasso". 

A conversa com Marcello Dantas teve também diversos momentos leves. "Chega de falar de política, vamos falar de sexo", disse o curador, a certa altura. "É mais fácil falar de política do que de sexo!", brincou o artista. Ele contou das temporadas em que passou no Brasil entre o ano passado e este, para a produção das obras que estarão na mostra "Raiz". 

Disse que o país tem "a melhor temperatura e sentimentos" para a imaginação erótica, e que as pessoas que vêm para cá "em geral têm sonhos selvagens". Ele contou que teve dois, e o resultado foram as duas esculturas que compõem a obra "Two Figures" (em português, duas figuras), que estarão na mostra. Trata-se de moldes em gesso do corpo inteiro de Weiwei e de uma brasileira. "Na Alemanha eu nunca teria esses sonhos", brincou. 

Detalhes da mostra foram divulgados por Dantas durante a conferência. Será a maior exposição do artista já realizada, com quase 500 toneladas de obras ocupando os quatro andares da Oca. "Raiz" é um misto de retrospectiva com obras produzidas no Brasil, por artesãos que trabalharam em ateliês montados pelo próprio Weiwei em diferentes estados.

Vinte e cinco obras foram feitas no país. Além das duas figuras em gesso, haverá um trabalho composto por 200 ex-votos esculpidos em Juazeiro do Norte a partir da iconografia de Ai Weiwei –o artista destruindo a urna ou tirando uma selfie–, e couros de boi marcados a ferro com o alfabeto armorial de Ariano Suassuna, trazendo citações de forte carga política, a exemplo de "a carne mais barata do mercado é a carne negra". 

Obras icônicas do artista também estarão presentes, como "Sunflower Seeds", composta por milhões de sementes de porcelana feitas à mão por uma comunidade de mulheres do interior da China, e "Forever Bycicles" -esta, instalada do lado de fora do espaço expositivo projetado por Niemeyer, à vista do público. 

Weiwei afirmou estar contente de expor aqui. "Toda vez que entro na Oca sinto algo poderoso, o que faz eu me sentir muito privilegiado de conectar o meu trabalho ao de quem construiu este prédio." 

O artista encerrou a conferência de pé no palco, tirando uma selfie -marca registradas do seu trabalho- com a plateia. Com informações da Folhapress.

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