Vítimas de crimes de ódio na Alemanha mudam hábitos e planejam partida

Entidade registra aumento de ataque a não alemães após crime instigar protestos xenófobos

© Hannibal Hanschke / Reuters

Mundo VIOLÊNCIA 16/10/18 POR Folhapress

Os irmãos Uwe, 53, e Lars Ariel Dziuballa, 47, já estavam acostumados com ataques de vândalos neonazistas ao Schalom, o restaurante judaico que administram em Chemnitz (leste da Alemanha).

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Em 18 anos, gastaram cerca de 40 mil euros (R$ 173 mil) repondo mesas, placas e holofotes quebrados na calada da noite, além de acumular cartas e bilhetes com frases como "judaísmo não é religião, é crime" ou "que se fechem imediatamente todas as organizações judaicas na Alemanha".

Houve também a ocasião em que uma cabeça de porco talhada com uma estrela de Davi (o consumo de carne suína é proscrito pela Torá) foi deixada na porta do estabelecimento.

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Mas, desta vez, foi diferente. No rescaldo de um protesto anti-imigração que reuniu entre 6.000 e 8.000 pessoas no centro da cidade, um grupo de 12 percorreu o quilômetro que separa o ponto de encontro dos manifestantes do restaurante e, sob gritos de "saiam da Alemanha, judeus sujos!", começou a atirar pedras, barras de ferro e garrafas na direção da casa -aberta naquela noite só para convidados.

Um dos objetos acertou o ombro direito de Uwe, que saíra à calçada depois de ouvir o que pareciam ser tiros.

"Pela primeira vez, senti medo. Por causa disso, deixei de sair de casa de quipá [o chapéu usado pelos judeus] e, quando estou andando na rua, presto muita atenção ao que acontece na minha frente e atrás de mim", afirma.

Localidade de 247 mil habitantes cujo nome era "cidade de Karl Marx" no período em que integrou a antiga Alemanha oriental, Chemnitz foi parar no noticiário internacional no fim de agosto.

Ao redor de um busto monumental do ideólogo comunista, um coro de milhares - composto por neonazistas e "hooligans" de carreira mas também por cidadãos sem filiação conhecida com grupos extremistas- entoou por alguns dias palavras de ordem contra a política de acolhimento de refugiados da chanceler Angela Merkel, que só em 2015 abriu as portas do país para 1,1 milhão de estrangeiros.

Após as manifestações, grupos isolados perseguiram, insultaram e atacaram quem não parecesse alemão. Houve também grandes atos em favor dos imigrantes.

A pequena convulsão social teve por gatilho o esfaqueamento e morte, no dia 25 daquele mês, do carpinteiro alemão Daniel Hillig, crime pelo qual foram acusados um sírio e um iraquiano.

"Não queremos colocar segurança na porta [do Schalom]. Se for para fazer isso, é melhor fechar", diz Lars Ariel. "Não faz sentido revistar pessoas que só querem comer um falafel."

A patrulha policial no entorno do restaurante agora se faz em intervalos menores. Às sextas, quando os judeus celebram o shabat, uma viatura fica de prontidão a cem metros do local.

Como os irmãos Dziuballa, muitas vítimas de crimes de ódio em Chemnitz mudam hábitos e refazem planos. A libanesa Rola Saleh, 40, assistente social há sete anos em uma organização que auxilia solicitantes de asilo com traduções, trâmites burocráticos e cursos de capacitação, está nesse grupo.

Agredida ao filmar com o celular um dos protestos xenófobos das últimas semanas, ela já sondou amigos em Hamburgo e Frankfurt sobre a possibilidade de hospedá-la por uns tempos.

"Estou preocupada com a eleição estadual de 2019 na Saxônia [onde fica Chemnitz]", diz, ressaltando o desempenho do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de plataforma nacionalista e anti-imigrante, nas legislativas nacionais de 2017 -27% entre eleitores saxões, contra 12% no cômputo geral do país.

Saleh lamenta o recrudescimento da islamofobia na região, fenômeno segundo ela turbinado pela omissão do poder público.

"A cidade não faz nada de concreto para impedir a propagação do ódio. A direita nacionalista diz que os muçulmanos têm muitos filhos, que vão mudar a cultura alemã e implantar a sharia [lei islâmica]. Trata todo estrangeiro como criminoso. Se sofro esse tipo de assédio moral, como vou me integrar à comunidade em que cheguei?"

A fala de Benjamin Jahn Zschocke, 32, porta-voz do Pro Chemnitz, um dos movimentos à frente dos atos contra refugiados, dá sustentação ao retrato pintado por Saleh.

"Não temos medo de imigrantes, mas sim do islã. Nosso principal foco hoje é protestar contra crimes cometidos por estrangeiros na cidade", afirma, antes de se escudar contra alegações de associação e conivência com simpatizantes neonazistas.

"Cem idiotas no meio de milhares não são o problema. O problema é o silêncio da mídia sobre a violência perpetrada por imigrantes. Não somos a extrema direita, somos a classe média, que, sob o governo Merkel, só perdeu importância política", completa Zschocke, que se define como libertário, entusiasta de uma "democracia real", não ancorada "em partidos políticos, nem na mídia, nem no capital".

Para André Löscher, consultor da RAA, entidade que oferece apoio médico e jurídico a vítimas de crimes de ódio na Saxônia, é justamente ao não se distanciarem assertivamente da ala extremista que os "cidadãos comuns" que tomam parte nesses protestos erram.

"Quando começam a gritar 'para cada alemão morto, queremos um refugiado morto', você tem de sair dali imediatamente, armar um protesto paralelo em outro lugar", diz.

Segundo Löscher, a RAA observou um primeiro "boom" de agressões verbais e físicas a imigrantes em 2014 -3 em cada 4 vítimas passaram a ser de nacionalidade estrangeira. Mas os incidentes de agosto e começo de setembro fizeram disparar a violência contra esse grupo.

Em todo o ano de 2017, a organização assinalou 15 ataques a não alemães. Já em 2018, apenas nas seis semanas que sucederam à morte de Daniel Hillig, houve cerca de 40 episódios.

"As pessoas têm nos procurado para pedir conselhos sobre mudança para outras cidades, sobretudo no oeste do país", conta Löscher. "O problema é que refugiados não podem sair do estado em que deram entrada nos pedidos de asilo." Com informações da Folhapress.

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