Hoje avesso a esquerdistas, Doria teve boa relação com PT sob Lula

Antes do Doria político veio o Doria empresário, e esse não tinha problema em conviver com aqueles a quem agora chama de inimigos: petistas e comunistas

© Nacho Doce / Reuters

Política São Paulo 24/10/18 POR ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, para Folhapress

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER - João Doria (PSDB) não perde uma chance de tentar tirar seu adversário na corrida pelo governo de São Paulo de um suposto armário ideológico. "Márcio França [PSB] é socialista, é esquerdista, é PT e tenta esconder", tuitou a dias do primeiro turno, na retórica que o hoje escudeiro do de Jair Bolsonaro (PSL) reaviva sempre que pode.

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Suas relações com quadros da esquerda, porém, já foram bem amigáveis. Antes do Doria político veio o Doria empresário, e esse não tinha problema em conviver com aqueles a quem agora chama de inimigos: petistas e comunistas.

Uma foto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por ele chamado de "ladrão" para baixo, enfeitava seu escritório na avenida Faria Lima, bunker da elite empresarial em São Paulo.

Sua mulher, a artista plástica Bia Doria, que em 2016 contou à Folha de S.Paulo ter ficado "muito triste quando o Lula se elegeu, até chorei no dia em que ele tomou posse", posara em 2005 sorridente ao lado do petista e da esposa, Marisa Letícia (1950-2017).

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Estavam no Casa Cor, evento de arquitetura no Jockey Clube sob comando do marido. Entre as atrações, uma "suíte presidencial" inspirada no ex-presidente, com camisa e bola de seu time, Corinthians.

A assessoria do candidato diz que, "como dono da Casa Cor", ele "educadamente recebeu [Lula e Marisa] na ocasião, juntamente com outras pessoas". Filiado ao PSDB desde 2001, Doria não explicou por que adornou sua sala com um retrato ao lado do petista.

Em 2010, a empresa Doria Associados Consultoria e Comunicação Ltda. emprestou R$ 44 milhões do BNDES. França vem associando o dinheiro à compra de um jatinho. O rival não confirmou.

Como pessoa física ou por meio de empresas suas, Doria doou R$ 10 mil para campanhas de José Eduardo Cardozo (PT), ex-ministro de Dilma, e Manuela D'Ávila (PC do B), vice na chapa de Fernando Haddad (PT), rival de Bolsonaro na disputa presidencial.

Sua equipe frisa que ele "doou também para DEM, PSDB, PP e PSD. Nenhuma tendência ideológica. As doações são compatíveis com o comportamento de um líder empresarial, como era o caso".

Cardozo chegou a ganhar uma máquina de café num sorteio em um dos fóruns do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), sob guarda de Doria –outro premiado num desses encontros, com um carro, foi Alberto Goldman, decano do tucanato que o novato disse viver "de pijama em casa", em 2017, num dos muitos entreveiros entre os dois.

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"Doria sempre foi amável, não nos discriminava em função da posição ideológica", diz Cardozo. Em 2011, ele foi a convite desse grupo para um resort em Comandatuba (BA), e lá esbarrou em Haddad, então ministro da Educação, e Hebe Camargo, que passou o dia distribuindo selinhos.

Já Manuela, no mesmo ano, elogiava aquele que, à época, apresentava o reality "O Aprendiz". "Sou amiga do João há anos. Pessoa mais disciplinada do mundo. Sem comparações", tuitou. "Eu o conheci num ambiente absolutamente plural e com muitas pessoas de esquerda", ela disse à reportagem, sem dar detalhes.

O clima com esquerdistas esfriou após Doria pilotar, em 2007, o Cansei, movimento que mirava do caos aéreo ao governo Lula. Naquele ano, três ministros lulistas deram bolo num fórum do Lide, entre eles Haddad. As conexões com governistas foram se restabelecendo ao longo dos anos de PT no poder.

Para Goldman, Doria emprestou dos tempos de homem de negócios uma faceta camaleônica: "Ele é um oportunista em busca de enriquecimento pessoal. Se conviesse se aliar à esquerda, faria".

Os tucanos já foram próximos, e suas mulheres, Bia e Deuzeni, amigas. Quando os maridos começaram a se desentender, elas também se estranharam. Segundo reportagem da revista Piauí de 2016, Bia lamentou ter manipulado o resultado do sorteio do carro para favorecer os Goldman.

Outro desafeto, Major Olímpio, senador eleito e presidente do PSL-SP, diz que Doria "cita o pai perseguido pela ditadura" quando acha de bom tom acenar a progressistas.

João Doria pai foi deputado pelo Partido Democrata Cristão, e um que defendia João Goulart, o presidente depois deposto pelo golpe. Foi cassado em 1964.

Em 2014, Doria organizou um jantar para o então presidenciável Aécio Neves (PSDB). A noite de 31 de março marcava os 50 anos do golpe militar.

Enquanto a mesa degustava macarron de baba de moça com sorvete de coco e vinho Sancerre Comte Lafond Blanc 2010, Aécio citou o avô Tancredo Neves, líder do governo Jango na Câmara quando os militares tomaram o poder. "Ele gritava: 'Canalhas!"

O tucano aposta suas fichas no BolsoDoria, cruzamento de votos nele e em Bolsonaro, entusiasta da ditadura.

A Lei Rouanet, que permite dedução tributária em troca de patrocínios artísticos e é equiparada a palavrão em círculos direitistas, já contemplou projetos ligados a Bia Doria. A reportagem localizou quatro deles inscritos de 2014 a 2016.

Segundo o site do Ministério da Cultura, três tiveram de fato captação de recursos: uma mostra em Miami a fim de "divulgar a arte sustentável brasileira" (R$ 400 mil), "um livro para registrar os 10 anos da carreira" de Bia (R$ 303 mil) e a exposição "Arte e Fé", na romana Basílica di San Paolo Fuori Le Mura (R$ 800 mil).

Em 2015, o casal Doria recepcionou autoridades em Campos do Jordão (SP) com direito a spa e massagens na chegada. A Folha de S.Paulo revelou e-mails sobre o convescote enviados por funcionários do então pré-candidato a prefeito. A um convidado, o presidente da Apex (agência federal de fomento à exportação), Doria já pedira favor em nome de Bia.

Ela solicitara, meses antes, que a Apex patrocinasse uma mostra sua no exterior que teria aval da Rouanet para captar até R$ 1,7 milhão –o valor autorizado para viabilizar sua exposição em Miami. O marido, copiado na mensagem, deu seu ok: "Nenhuma objeção. Pelo contrário".

Irmão do tucano, Raul Doria já procurou leis de incentivo fiscal para obras de sua produtora, a Cine Cinematográfica. Um projeto chegou a levantar recursos: R$ 397 mil. Era o filme "Ninguém Ama Ninguém Por Mais de Dois Anos". Com informações da Folhapress. 

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