Mostra em Nova York compila 25 anos de arte na era do black power

A mostra tem como base uma exposição realizada no museu britânico Tate Modern em 2017

© Reprodução 'Did the Bear Sit Under the Tree' by Benny Andrews

Cultura museu 05/11/18 POR Folhapress

Efervescente é um bom adjetivo para qualificar os Estados Unidos nos anos 1960. Além das disputas políticas entre comunismo e capitalismo -quando essa contraposição ainda fazia sentido-, o país eclodia em movimentos que tentavam contemplar vozes antes sufocadas.

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Nesse espaço de discussão, o ativismo negro, que lutava pela equiparação de direitos civis com os da maioria branca americana, achou brechas para explorar artisticamente uma estética cultural que manifestasse os anseios da segregada população afro-americana.

Uma compilação dessa arte, com obras produzidas entre 1958 e 1983, está na mostra "Soul of a Nation: Art in the Age of Black Power" (alma de uma nação: arte na era do black power), em exibição no Museu do Brooklyn até 3 de fevereiro de 2019.

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É um passeio pelo ativismo negro sob forma de arte durante um quarto de século. São obras que aludem a algumas das principais figuras do movimento, como Martin Luther King Jr., assassinado em Memphis em 1968 enquanto pregava a não violência como arma política, ou Malcolm X, morto em 1965 em busca de um nacionalismo negro.

A mostra tem como base uma exposição realizada no museu britânico Tate Modern em 2017. Lá, os curadores foram Mark Godfrey e Zoe Whitley, do departamento de arte internacional do museu. Eles ajudaram Ashley James, curadora-assistente de arte contemporânea do Museu do Brooklyn, a organizar a versão nova-iorquina da exposição.

"Para mim, a exposição fala de urgência artística e inovação. A coleção de trabalhos apresentada em conjunto responde a perguntas como 'o que fazer, como fazer, por que fazer e para quem fazer', especialmente num período de grande pressão política e estética da sociedade", diz James. "É uma forma de entender a importância que a arte desempenhou naquele momento."

Na primeira sala, os visitantes se deparam com trabalhos do coletivo The Spiral Group, de Nova York.

Eram 15 pintores, entre eles Norman Lewis, Charles Alston e Hale Woodruff, que reuniram artistas afro-americanos em um ônibus para participar da Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, em 1963 –a do discurso "Eu tenho um sonho", de Luther King.

Aqui, começa a busca por uma estética negra, mas sem chegar a um resultado. No Museu do Brooklyn estão obras expostas na única mostra realizada.

Uma delas, de Norman Lewis, usa o expressionismo abstrato para evocar a KKK -grupo supremacista branco Ku Klux Klan- com cruzes e desenhos brancos sobre uma tela negra. Nome do quadro: "America the Beautiful" -América, a bela.

"Mesmo artistas conhecidos, como Norman Lewis, também enfrentavam segregação. Então qualquer oportunidade de mostrar seu trabalho era crucial", diz James.

E, se o movimento negro ganhava força, continuava reproduzindo uma falha da sociedade branca: a pouca voz dada às mulheres. O grupo tinha apenas uma integrante feminina, Emma Amos.

A fotografia também é testada como veículo de autoafirmação negra, enquanto a crítica social se mantém ferina. Em uma das imagens, de Roy DeCarava, um laço de forca pende solitário, tendo como pano de fundo um prédio.

Outra série de imagens registra o funeral de quatro meninas mortas em um ataque a bomba da KKK a uma igreja batista em Birmingham, Alabama.

Atentados semelhantes inflamaram o movimento negro e levantaram questionamentos em torno do discurso pacifista de Luther King. Nos Estados Unidos pós-Lei dos Direitos Civis -conquista de 1964-, a morte do líder político Malcolm X, ocorrida no ano seguinte, intensificou os clamores pelo poder negro.

Kay Brown, no quadro "The Devil and His Game" (1970), condensa a discussão: o presidente Richard Nixon, vestido como o Diabo e emergindo de um globo terrestre, ameaça crianças negras, protegidas por uma figura com o rosto de Luther King. À esquerda, Malcolm X observa.

No mesmo ambiente, uma porta verde com detalhes em vermelho retrata a violência policial contra negros: buracos de bala remetem à morte de Fred Hampton, integrante do grupo Panteras Negras morto em sua cama durante uma batida dos agentes. A criação é de Dana Chandler.

Referência nas artes plásticas, o escultor Melvin Edwards tem alguns trabalhos exibidos na mostra. São três obras da série "Lynch Fragments", que remete aos linchamentos cometidos contra negros por supremacistas brancos. Mais à frente, uma cortina de arame farpado remete à escravidão.

Só um dos artistas com trabalhos na exposição não é americano: o britânico Frank Bowling, que traz pinturas abstratas para defender a fluidez da identidade negra. "Os continentes são imagens estéticas, mas têm um conceito que é dizer que é tudo um único mundo", comenta James.

A autoafirmação e o orgulho negro aparecem novamente nas mãos de Barkley Hendricks, em quadros em que a nudez é ressaltada ou em que negros aparecem como modelos, o que era pouco comum até então.

Na despedida da exposição, um trocadilho: participantes de uma manifestação tiram fotos com uma moldura -"frame", palavra que, em inglês, também equivale ao verbo "incriminar". É uma crítica aos muitos processos contra negros forjados a partir de evidências falsas. Com informações da Folhapress. 

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