Adaptação de 'A Amiga Genial' mantém espírito da obra de Ferrante

É preciso começar destacando a escolha das meninas que emprestam a carne a Elena, a Lenu, e a Rafaella, a Lila, respectivamente Elisa del Genio e Ludovica Nasti

© Divulgação

Cultura cara de cinema 26/11/18 POR Folhapress

A julgar pelo primeiro episódio, disponível no Brasil a partir da noite deste domingo (25), é possível dizer que "My Brilliant Friend" tem potencial para produzir, no mundo das séries, o mesmo abalo que a obra em que se origina, "A Amiga Genial", causou no campo literário.

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Assim como o livro de Elena Ferrante fisga o leitor sem lançar mão de formalismos, dentro das convenções realistas e atendo-se à narrativa, a série produzida pela HBO e dirigida por Saverio Costanzo se calca no bom conhecimento da arte cinematográfica, sem pirotecnias e sem artimanhas clássicas da teledramaturgia.

Dito isto, é preciso começar destacando a escolha das meninas que emprestam a carne a Elena, a Lenu, e a Rafaella, a Lila, respectivamente Elisa del Genio e Ludovica Nasti.

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Elas são em tudo superiores ao resto do elenco, que, se não está mal, parece ter a função principal de dar relevo à atuação das meninas -o que talvez seja não um defeito, mas uma escolha da direção para ressaltar sua centralidade.

Resulta daí que os personagens secundários pareçam pouco delineados e menos humanos que a dupla protagonista.

Agradece-se a sobriedade geral -era de temer um pouco a forma como se retratariam, por exemplo, os episódios em que Lila, ao se concentrar ou ao sentir-se tensa, vê o mundo se desfocar, perder as margens.

Felizmente, não se cede à tentação de efeitos especiais, deixando que a representação dessas experiências se limite ao plano da atuação, na forma de um ligeiro tremor e um franzir dos olhos de Nasti.

O único mal de que padece a "My Brilliant Friend" é aquele que acomete qualquer adaptação literária: o grau de condensação que o exercício exige sempre deixará alguma insatisfação no espectador que antes foi leitor.

É inevitável tecer comparações, e o que se diz numa linha de texto muitas vezes não cabe nem em vários minutos de tela.

Assim, mesmo se o primeiro episódio escassamente cobre 60 páginas do primeiro livro da tetralogia de Ferrante, a sensação é de que muito ficou de fora ainda que, de modo geral, o espírito esteja preservado.

Contudo, tendo a série chegado ao Brasil três anos depois de "A Amiga Genial", é possível que mesmo os fãs apaixonados já não guardem na mente tantos detalhes e, assim, fiquem satisfeitos com o que veem.

Por um lado, a mise-en-scène de Costanzo é bastante eficaz ao retratar o ambiente de violência que domina a infância de Lenu e Lila, sem abusar. Com concisão e sem excessos gráficos, marca o tom das relações no bairro onde vivem.

Por outro, há toda uma construção desse ambiente que, no livro, não se baseia em descrições de espaços e que, na série, não encontra maneira de se reproduzir.

Por exemplo, as várias crendices sobre a morte que Elena, a narradora, recorda e que ajudam a definir a população. Ou mesmo a construção de como a relação entre as duas meninas se estabelece e que, na tela, parece um tanto abrupta.

No trecho do livro reproduzido, a ligação que as une é mais evoluída do que o que vemos na adaptação – graças ao fato de que o que são episódios repetidos na narração, como as batalhas na rua, se tornam eventos isolados na trama televisiva.

É preciso dizer, também, que tudo surge um tanto quanto arrumadinho demais; a miséria, no livro, era mais ostensiva, a vida mais caótica do que aquela que se desenrola em prédios em tons de ocre e verde, nas ruas retas, a cara de cenário recém-pintado para parecer velho.

Com generosidade, porém, pode se considerar também isto uma opção, feita para frisar que estamos diante de um artefato, uma história duas vezes recontada -primeiro, pela narradora do livro; depois, pela adaptação.

Não estamos, afinal, diante do real, mas de uma história recordada e recriada.

Fica no entanto a dúvida a respeito de quantos fãs não leitores a série pode angariar.

Os que amavam Lenu e Lila devem estar contentes por vê-las voltar ao seu convívio e, talvez, ganhem até algum prazer em redescobri-las um pouco mudadas, quase como se tivessem o prazer de vê-las pela primeira vez.

Mas pode ser que faltem atrativos para aqueles que não tenham um amor prévio pelas personagens.

Há poucos diálogos e bastante narração; a trama da amizade entre duas meninas crescendo num meio hostil, de cara, não se abre em subtramas que permitam ao espectador se perguntar o que será que vai acontecer.

Deve, assim, capturar os curiosos que gostem de cinema mais que de TV e não sintam falta de estratégias às quais nos acostumamos nestes tempos em que os produtos seriados nos impõem outra forma de lidar com o ritmo narrativo.

A maior concessão feita aos códigos das séries é a escolha por manter o título em inglês. É uma opção inconcebível e um tanto jeca -ainda mais considerando que não é nem mesmo um título original- e mercadologicamente inexplicável, uma vez que os livros, também aqui, conquistaram multidões.

MY BRILLIANT FRIEND - EP. 1 THE DOLLS

QUANDO reprises ter (27) às 16h50, qua (28) às 14h30, qui (29) às 21h e sáb (1) às 11h

ONDE disponível no HBOGo

AVALIAÇÃO Muito bom

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